Josué BILA
A reunião e a associação de pessoas, fundada em objectivos comuns, tem caracterizado as variadas e sucessivas fases históricas da humanidade.
Com efeito, na escala contemporânea, há 60 anos, os redactores e editores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), porque interessados em que os Homens se associassem para o bem comum de suas comunidades, vincularam o direito à liberdade de reunião e associação àquele documento internacional de amplo significado moral para as pessoas, individual e/ou colectivamente.
O ponto primeiro do artigo 20º da DUDH dá cobertura à colocação anterior: “Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas”. Ao sabor de interpretação puramente cidadã deste artigo, pode-se dizer que a consciência individual e/ou colectiva de exercício de direito à liberdade de reunião e associação pode pressupor a consciência individual e/ou colectiva de exercício de dever de operacionalizar pacificamente alguma actividade, em moldes associativos, para o bem comum da comunidade. De outro lado, o artigo 29º da mesma Declaração fora colocado em obediência a esse pressuposto: “Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível”. Assim, os artigos 20º e 29º acasalam, lado a lado, o direito e o dever de exercitar a cidadania em uma associação, respectivamente.
Na história de Moçambique pré-independente e independente não há maior surgimento, registo, existência e abundância de associações reconhecidas juridicamente, comparativamente ao período que segue a década de 1990: ano-marco da nova Constituição da República de Moçambique, que inaugura o quase mundializado Estado de Direito Democrático, este amigo dos direitos e liberdades fundamentais de cidadania, colocando o ser humano como titular e beneficiário primário de direitos humanos; igualmente, o direito à reunião e associação encontra-se plasmado. Neste momento, em dados da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, lançados em Dezembro de 2007, Moçambique regista cerca de 5 mil associações.
Associações estomacais e dolarizadas
Perante colocações anteriores, será que os artigos 20º e 29º da DUDH são observados, em Moçambique, sem influência 1) estomacal e dolarizada, de um lado, e 2) alcoólica, de outro lado? O que são associações estomacais e dolarizadas, e alcoólicas?
Numa primeira vista, posso parecer contraproducente, ao pensar que, nos meios urbanos e suburbanos de Moçambique, superabundam dois tipos de associações: 1) as estomacais e dolarizadas e 2) as alcoólicas. Associações genuinamente 3) éticas e solidárias, com compromissos de bem comum e paz social, posso e podemos contá-las a dedo.
O argumento básico para esta proposição funda-se em três vertentes: a) a relevância das associações éticas e solidárias, no exercício de direitos e liberdades de reunião e associação dos cidadãos, para o desenvolvimento cívico, individual e colectivo e o fortalecimento do debate e agenda sobre o bem-estar ético e social da comunidade; b) o surgimento e manutenção de associações por causa de dólares e outro tipo de moeda do Norte, que financia actividades (ou sua existência primária e última é condicionada pelos apetites individuais dos seus fundadores e do excremento de satanás, digo, dinheiro) e c) as associações/reuniões alcoólicas. Estas últimas, localizadas em bares e em sedes de restaurantes, tipicamente moçambicanos, vulgo barracas, congregam amigos de diversas origens e camadas populares, com o objectivo primário de se alcoolizarem, vegetando e falando, em fragmentos de conversas improdutivas e conspiratórias, sobre transporte público; política; custo de vida; família; amigos; amantes; chefes e líderes autoritários; moçambicanos que sofrem xenofobia na África do Sul; mulher-rapariga que alegadamente deu à luz três chávenas; sociólogos e intelectuais que (não) desabafam; jornalistas e académicos sarrafaçais; juristas (quadrados ou) cultos; deputados que (não) roubam bois e que são (im)produtivos; docentes que dão boas notas a meninas tidas como bonitas; médicos que (não) são médicos; racistas que (não) tem cor; palestrantes que (nunca) leram um capítulo sobre o tema que estão a falar e (nem) têm experiência profissional suficiente; laureados e eleitos, porque (não) são amigos dos membros do júri ou porque antes receberam benção de um vidente; gente que só é habitante, e não consegue ser cidadão; surpreendente detenção do intocável ex-ministro do Interior, Almerino Manheje, entre outras temáticas.
As três vertentes conduzem-me a três perguntas: Por as associações dolarizadas e alcoólicas terem mostrado a sua decadência histórica e ética, embora massificadas, como podemos ter e potenciar associações éticas e solidárias, para um outro Moçambique (sor)risonho? Como as associações éticas e solidárias podem surgir, existir e funcionar, sem dependência umbilical e estomacal do dinheiro (um pensador clássico chamara dinheiro de excremento de satanás) do Norte? Depois do desaparecimento de doláres/dinheiro do Norte, teremos associações, nos meios urbanos e suburbanos de Moçambique?
Ora, os redactores e editores dos artigos 20º e 29º da DUDH objectivaram, dentre vários desafios, que os cidadãos, independentemente de suas particularidades, gozassem do direito à reunião e associação, para lutarem pelo bem comum, em resposta ao seu dever social. Por outra, profeticamente, os redactores e editores desses articulados previram associações a exemplo dos compatriotas do grupo dos ex-trabalhadores da Alemanha do Leste, Madjermane, que luta, desde os idos anos de 90, pelas suas indemnizações, direitos civis, políticos e sociais e pela ética pública das autoridades nos procedimentos burocráticos e administrativos estatais. Tal como apontei em revista Democracia e Direitos Humanos, já transcorrem quatro anos, este tipo de associação, sem exercício e história de pedido de dinheiro para o seu funcionamento, experimentou, em nosso Moçambique actual, a mais brilhante e fenomenal exercício de cidadania, nunca operacionalizado pela famosa sociedade civil moçambicana pós-90. Portanto, um exercício de cidadania não dolarizado e nem estomacal. Os Magjermane penas exigem que as autoridades do Estado moçambicano satisfaçam o descrito no seu caderno de reivindicações, apelando constantemente a que o termómetro da arrogância governamental baixe a escala zero. Para o efeito, suas armas retóricas, mobilização e coerência não são compradas e influenciadas por dólares. Suas armas retóricas e actividades se fundam em actividades cívicas pós-estômago, pós-casaco, pós-gravata e pós-luxúria, ou seja, demonstram, todos os dias, que a dignidade humana está acima do estômago, casaco, gravata e luxúria. Aqui, está o zelo ético e exemplar dos nossos compatriotas Madgermane, minimizados pela exploração e opressão, encrostadas, nos governos de Moçambique, desde o ano da Independência Nacional, 25 de Junho de 1975.
Reivindicação de título
O título proposto “Crime contra o artigo 20º da DUDH” reivindica a necessidade histórica de se (re)conquistar um associativismo ético e solidário, fundado em compromissos de bem comum, em detrimento de um tipo de associativismo estomacal e dolarizado – sua existência primária e última é condicionada pelos apetites individuais dos seus fundadores e do excremento de satanás, digo, dinheiro. Nesta perspectiva última do parágrado, insisto na pergunta: será que os artigos 20º e 29º da DUDH são observados, em Moçambique, sem influência estomacal e dolarizada? O que prevejo é que gerações futuras terão muita vergonha de terem tido associações ou avoengos associativos sanguessugas – fundadores de associações, cujos seus agentes tinham interesses de se alimentar de excrementos de satanás e não com a cidadania e ética social.
O título proposto “Crime contra o artigo 20º da DUDH” reivindica a necessidade histórica de se (re)conquistar um associativismo ético e solidário, fundado em compromissos de bem comum, em detrimento de um tipo de associativismo estomacal e dolarizado – sua existência primária e última é condicionada pelos apetites individuais dos seus fundadores e do excremento de satanás, digo, dinheiro. Nesta perspectiva última do parágrado, insisto na pergunta: será que os artigos 20º e 29º da DUDH são observados, em Moçambique, sem influência estomacal e dolarizada? O que prevejo é que gerações futuras terão muita vergonha de terem tido associações ou avoengos associativos sanguessugas – fundadores de associações, cujos seus agentes tinham interesses de se alimentar de excrementos de satanás e não com a cidadania e ética social.
Lamentavelmente, nas associações moçambicanas, pessoas há que publicamente são conhecidas como defensoras de transparência, paz, direitos humanos, democracia e desenvolvimento dos um pouco mais de 20 milhões de moçambicanos, mas desvia recursos que deveriam dinamizar actividades sociais, por meio associativo; e perpetram injustiças aos associados e nos vários sectores de vida social – este é um dos exemplos mais fiáveis de associações, cuja existência primária é estomacal e dolarizada, em resposta aos apetites ora desempregatícios, ora manigantes dos fundadores e não com o crescimento cívico-associativo-social. Aqui, está uma das desonras a que os moçambicanos são vítimas, pelos dilapidadores, encrostados nas associações.
Pode referir-se, ainda, que é incoerente que estas associações critiquem o governo e as autoridades do Estado de serem negligentes e faltos de transparência na condução de políticas de desenvolvimento e direitos humanos, quando elas próprias não têm um pingo de moral na gestão dos destinos das associações: contratação de pessoal, pagamento de quotas, administração, rios de dinheiro que os doadores colocam em seus cofres, dentre outros défices. Por os fins de utilização de dinheiro de doadores destinar-se ao melhoramento da vida das populações, não vejo diferença da roubalheira e ganância dos dois – associações e governo/autoridades do Estado. Aliás, há quem já me disse que a pior roubalheira é dos agentes do governo ou Estado, porque o dinheiro é público. Confesso que depende do olhar. Afinal, de onde provém o dinheiro das associações? Provém de orçamentos públicos dos apelidados países doadores/parceiros/financiadores. Orçamento público vem de quê? De impostos de cidadãos. Logo, as associações, quando praticam roubalheiras, estão a sacar, indevidamente, o dinheiro do cidadão do país doador.
Associativismo ético
O associativismo ético e solidário, nas circunstâncias nas quais Moçambique se encontra, pode ser mais eficiente e promotor de mudanças sociais, para o desenvolvimento e efectivação de direitos humanos, em sua dimensão integral, do que o actualmente operacionalizado. Para o efeito, precisamos, individual e colectivamente, de fazer algum exame de consciência sobre o nosso valor de cidadania. Que cidadãos somos, colectiva ou individualmente? Será que somos cidadãos, de facto, ou somos habitantes? (Escrevi e publiquei, faz duas semanas, a diferença atitudinal/comportamental entre habitante e cidadão, aqui (http://bantulandia.blogspot.com/2008/09/moambicanos-habitantes-ou-cidados.html). Qual é o estágio de nossa ética e cidadania, enquanto pessoas, dotadas de razão e consciência? O que fazemos em prol do nosso quarteirão, rua, bairro, escola, crianças abandonas e órfãs, grupo profissional e mais?
Propostas
Moçambique é carente de novas vozes associativas, que acumulem ética e carisma, para conduzirem e inspirarem as camadas urbanas e suburbanas sobre os problemas do dia-a-dia, nas áreas de justiça, ambiente, educação, saúde, alimentação, transporte, arruamentos, jardins infantis, orfanatos, salas de cultura, lazer, desporto, educação cívica, atropelamentos e sustos nas nossas estradas/ruas e mais.
Por assim dizer, num desenho e implementação de “Plano de Associativismo Ético”, Moçambique pode, por exemplo, aproveitar os seus alunos médios e superiores para determinadas actividades. Actividades essas implementadas voluntariamente em moldes associativos, para o bem comum. O aluno de Direito pode praticar educação jurídica às comunidades ou à sua comunidade, tal como o de Agronomia, Contabilidade e assim em diante. E por que não aproveitar a vasta paisagem de ética histórico-ancestral moçambicana, bem conhecida por nossos anciãos e demais líderes comunitários. Creio que podemos fazer isso, de forma associativa, mesmo que não recebamos nenhum apoio financeiro. Nosso apoio está em cada um de nós, ao resgatarmos a auto-estima individual e colectiva, para desenvolver Moçambique que está a saque, por um associativismo dependente do excremento de satanás (em Moçambique, associações há que, para manifestarem reivindicação ao Governo/Estado, através de um comunicado de Imprensa, pedem excremento de satanás a uma embaixada ou ONG internacional).
Porém, enquanto fazemos o que está nos últimos três parágrafos, precisamos de educar as nossas crianças sobre ética, estética, belo, ético, moral, cultural, leitura, valores humanistas, altruísmo, compaixão, solidariedade, multirracialidade, respeito, transparência e cidadania (que tal, antes de lhas habituar com perfumes, sapatilhas nike ou mesmo roupas ostensivas, comprarmos um livro, para elas?). E darmos exemplo das lições que as ensinamos. Penso que este é um dos caminhos para um associativismo ético que, mesmo sofrendo da nudez financeira, é transformador e pode, certamente, trazer a fecundidade em dignidade humana.
Descreio, pessoalmente, do associativismo estomacal, dolarizado e alcoólico, tão vulgarizado quanto disseminado em Moçambique, em suas cidades e subúrbios. Creio, sim, no associativismo ético: é o necessário para o Moçambique presente e futuro. O associativismo ético, quando efectivado, é, sem dúvidas, o cumprimento do conteúdo dos artigos 20º e 29º, respectivamente, da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
1 comentário:
Oi.
Thanks por me ter levado ao teu cantinho. Nao sei como me achaste mas tiou grato por me apresentares ao teu mundo. Abracos
Nelson
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