sábado, 22 de novembro de 2008

O direito à educação básica e a omissão do Estado Moçambicano

António Cipriano Parafino Gonçalves[1]



O direito à educação básica, obrigatória e gratuita, é afirmado, nos documentos internacionais, promulgados pela Organização das Nações Unidas, como um dos aspetos fundamentais da realização dos direitos humanos. Esse entendimento da educação perpassa a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); a Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF,
1959); a Convenção da luta contra a descriminação na esfera do ensino (UNESCO, 1960); o Pacto Internacional sobre os Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (ONU, 1966), a Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien 1990) e a recente Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000).Em diversos países membros das Nações Unidas, para se evitar que a vontade política atropele o proclamado pelos documentos internacionais, sem possibilidades de reivindicação por parte dos cidadãos, a educação foi incluída, nas Cartas constituintes, como um direito do cidadão e um dever do Estado e da família.


O Estado moçambicano, pelo menos, ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e é signatário da Declaração Mundial de Educação para Todos e da Declaração do Milênio das Nações Unidas. Ao ratificar e assinar esses documentos internacionais, o Estado moçambicano, em princípio, mostrava, em nível internacional, a sua vontade política e o compromisso político em garantir a educação básica (EP1 e EP2), gratuita e obrigatória para todos os moçambicanos, conforme o expresso naqueles documentos.

Examinando a legislação moçambicana, principalmente, a que foi promulgada após a reorganização política e econômica do Estado, o que se pode verificar é a omissão do Estado no que diz respeito ao seu dever de oferta bem como à gratuidade da educação básica. Tomando como exemplo a Lei educacional 6/92 de 6 de Maio, que alterou a Lei 4/83 de 23 Março, nela, é afirmado que o Estado moçambicano apenas organiza e promove o ensino, “como parte integrante da ação educativa, nos termos definidos na Constituição da República, qual seja, a de 1990 (Boletim da República, 1992, art. 1). A constituição referida é de 1990. No que diz respeito à educação, nesta Constituição, é sustentado que, “na Republica de Moçambique, a educação constitui o direito e dever o cidadão” (Constituição, 1990, art.92). Ao Estado, conforme o dispositivo legal, cabe a promoção da extensão de igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo desse direito (Constituição, 1990, art. 92 §2). Esse entendimento da educação como direito e dever do cidadão, cabendo ao Estado a promoção do acesso, permaneceu inalterado na Constituição promulgada em 2004. O que mudou foi a numeração dos artigos.

Na Lei educacional 6/92 de 6 Maio de 1992, ainda em vigor, pode-se verificar que nela existe uma mudança de conceito de educação para o de ensino. Essa mudança de conceito contraria o que foi estabelecido nos documentos internacionais, ratificados e assinados por Moçambique. Com base no conceito de ensino, na nova Lei educacional, é mencionado que o assegurar garantir o ensino básico a todos os cidadãos, com base na introdução da escolaridade obrigatória progressiva e de acordo com desenvolvimento do país, constitui um dos objetivos do Sistema Nacional de Educação. O condicionamento do acesso ao ensino básico ao desenvolvimento do país e a introdução da escolaridade básica progressiva parece ser proposital, uma vez que, legalmente, conforme as duas Constituições, a oferta da educação, ou melhor, do ensino básico, não consta como dever do Estado, mas sim do cidadão e da família.

Assim se posicionando, o Estado moçambicano, primeiramente, não assume, em nível de Lei, a educação como parte fundamental dos Direitos Humanos, embora o mesmo Estado tenha ratificado e assinado alguns dos documentos internacionais que contemplam a Educação como Direito Humano. Em segundo lugar, não assumindo, por Lei, a educação como dever do Estado, não existe uma base legal para que cada moçambicano(a), vendo não respeitado o seu direito ao ensino básico, como parte do direito humano à educação, possa reivindicar junto do poder público e/ou judiciário.

Além da omissão em relação à obrigação, isto é, dever na oferta do ensino básico obrigatório, quer nas duas Constituições do País, quer na Lei educacional 6/92 de 6 de Maio, uma outra omissão do Estado Moçambicano diz respeito à gratuidade do ensino público. O que implica a omissão na gratuidade conjugada com a demissão da obrigação legal de ofertar o ensino básico? Os pobres ficam sem a escola, seja por falta de vagas seja por indisponibilidade de arcarem com as matrículas, o pagamento de folhas para as provas, e compra do livro escolar que, mais é vendido do que distribuído. De um modo geral, parece que o Estado moçambicano oferece o ensino básico como caridade, obrigando os pobres a apresentarem o atestado de pobreza, caso queiram ter a gratuidade do ensino, e não como um dever, como contra-parte do Direito humano à educação, proclamado nas duas Constituições e nos documentos internacionais de que é signatário. E ainda aposta na educação como meio de combater a pobreza.

[1] Moçambicano, Doutorando em Políticas de Educação (UFMG-Brasil), Mestre em Educação (UFMG) e Licenciado em Filosofia (FAJE-Belo Horizonte, MG). E-mail: ciprix@yahoo.com

6 comentários:

Anónimo disse...

li o seu artigo, alèm de ser interessante, è muito actual, nòs moçambicanos precisamos concretizar a pratica e a vivencia dos DH.

Anónimo disse...

Sr Dr. Mocambique precisa de pessoas como o senhor, para alertarem nos sobre as lacunas que as nossas leis tem e o facto de o Estado fugir as suas obrigacoes. Forca

Anónimo disse...

nunca pensei que os nossos "constitucionalistas" fossem tão malandros!... adorei a chamada de atenção.
FORÇA!!!

Anónimo disse...

Lemos o artigo do Doutor, achamos interessante, retrata a situação real do nosso país, pois, as leis de educação não se materializam na realidade. moçambicanos, let´s wake up! OGED 2 ano laboral

oged 2 laboral disse...

Saudações. Li o vosso artigo. Adorei a capacidade de análise, porém, como sendo de costume,sempre que leio qualquer que seja um artigo, levanto uma questão:
As críticas são positivas,mas se marcasse uma audiência com o Estado para melhor compreender o motivo da tal omissão, não seria de louvar?
Pergunto isto porque sou de opinião que o estado tem as suas razões de contrariar os documentos internacionais. Que juntos procuremos investigar. Abraços!

Jornadas Educacionais disse...

Agradeco a todos quanto leram o texto.