Josué BILA
O regime nacional dos direitos humanos apela e obriga, através da Constituição da República de Moçambique, ao Estado a garantia do direito à saúde e à justiça social aos seus cidadãos.
Assim, qualquer acção do mesmo Estado em criar leis, normas e regulamentos que propiciem a materialização dos direitos humanos se funda no respeito à
dignidade humana - e não na caridade ou filantropia, por os seres humanos não constituirem objectos de compaixão estatal, mas, sim, sujeitos de direito dos direitos humanos, no plano doméstico e internacional, no dizer da professora de direitos humanos na Pontifícia Universidade de São Paulo, Flávia Piovesan.
A Lei 5/2002 de 5 de Fevereiro, que protege trabalhadores ou candidatos a emprego por serem suspeitos ou portadores do HIV/SIDA, é ilustrativa e justifica a nossa colocação supracitada. Aliás, em nota introdutória, a lei reconhece que “a pandemia do HIV/SIDA, os seus efeitos e impacto na sociedade, vem assumindo proporções consideráveis e constitui já uma ameaça objectiva ao exercício dos direitos fundamentais do cidadão, a harmonia social e ao desenvolvimento do País”.
Este reconhecimento do Estado moçambicano objectiva a criação de medidas de defesa do ser humano, face à exclusão, estigmatização, discriminação e outras formas tendentes à protecção social e emocional dos trabalhadores e candidatos a emprego vivendo com HIV/SIDA, no caso em apreço.
Até aqui, há percepção de que a Lei 5/2002 de 5 de Fevereiro tem uma ligação com os direitos humanos, ao consagrar direitos de proteção de trabalhadores e candidatos a emprego suspeitos ou portadores do HIV/SIDA. Desta maneira, este instrumento jurídico-legal mostra claramente que a melhor forma de conjugarmos a gramática de direitos humanos é reconhecer a dignidade da pessoa humana, com particular destaque para aquelas pessoas cuja condição social seja socialmente vulnerável. Portanto, sem reconhecer a dignidade de trabalhadores e candidatos a emprego, no caso concreto, vivendo com HIV/SIDA, não temos como conjugar a gramática de direitos humanos. Sempre que conseguirmos manter ou recuperar a dignidade do Outro, estaremos, por consequência, a conjugar a gramática de direitos humanos, emprestando o pensar do especialista brasileiro em direitos humanos, Óscar Vilhena.
A clareza desta lei está fundado ainda na consagração de direitos a um grupo específico em face à vulnerabilidade e coercibilidade sócio-laborais a que estejam sujeitos, na Administração Pública e outros sectores públicos e privados, incluindo os trabalhadores domésticos. Desde os primeiros articulados, a Lei em referência advoga a protecção dos direitos humanos deste grupo, ao consagrar “a proibição de testes de HIV/SIDA aos trabalhadores ou a candidatos a emprego, sem o consentimento do trabalhador ou candidato a emprego” (artigo 4). Os artigos quinto e sexto, respectivamente, falam do direito à privacidade e confindencialidade e consentimento do trabalhador em prestar ou não informações sobre a sua condição de seropositividade.
Um outro artigo crucial desta lei é referente a igualdade de oportunidades, cujo ponto permeia todos os debates de direitos humanos. O artigo sete é a isso referente, ao colocar que “os trabalhadores não devem ser discriminados nos seus direitos de trabalho, formação, promoção e progresso na carreira por serem portadores de HIV/SIDA”. Continua: “A todos os trabalhadores deve ser assegurado o princípio de igualidade de direitos de oportunidades em função do seu mérito e capacidade de desempenhar a sua função laboral. Este dispositivo legal deixa claro ainda que qualquer tentativa de discriminar e exluir trabalhadores portadores de HIV/SIDA não tem fundamento nem legal e nem moral e deve ser combatida com vigor, com vista a elevar-se e a proteger-se a dignidade do ser humano.
Esta lei informa nos seus articulados que todos os trabalhadores vivendo com HIV/SIDA têm direitos iguais e a um tratamento igual, no que concerne aos direitos humanos. O facto de uns padecerem de doença, HIV/SIDA, sendo trabalhadores e outros gozarem de sua plena saúde não implica que os primeiros devam sofrer exclusão, discriminação e estigmatização; pelo contrário, devem ser tratados com respeito, honra e dignidade porque são tão pessoas quanto outras. É nesse respeito, honra e dignidade que permeia a conjugação da gramática de direitos humanos*. Para o efeito, a Administração Pública e outros sectores públicos e privados, incluindo os empregadores domésticos, são chamados a cumprir com os requisitos básicos para uma convivência harmoniosa em sociedade, onde todos podemos viver em justiça social e direitos humanos.
Por isso, a lei 5/2002 de 5 de Fevereiro responde aos requisitos legais básicos para a dignidade de trabalhadores e a candidatos a emprego suspeitos ou portadores de HIV/SIDA.
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