“Liberdade de Imprensa não pode significar monopólio do microfone ou da orelha dos outros... é garantir que exista espaço na mídia para que possamos ouvir e ver opiniões e visões de mundo distintas das nossas”, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Brasil.
“Já ouviste o suficiente. Agora é a tua vez de imprimires o ritmo e de te fazeres ouvir” – Seamus Heaney
Os órgãos de informação jornalística moçambicana são um palco de divinização exclusiva de determinadas pessoas para falarem de vida nacional e internacional, particularmente nos espaços nobres e/ou semi-nobres. Ao se comportar dessa forma, celebram, diária e semanalmente, aquilo que chamo de mesmice famosa na Imprensa.
Mesmice famosa na Imprensa é convidar e entrevistar, fanática e acriticamente, os mesmos cidadãos, publicamente conhecidos, para falarem, opinarem, descortinarem e debaterem sobre temas e acontecimentos da sociedade, ignorando, propositada ou preconceituosamente, outras vozes humanas e sociais, cuja cidadania ou qualidade intelectual é, sem espaço para reservas, robusta, sofisticada, visionária e cosmopolita.
Para evitar mal-entendidos, próprios de sociedades provincianas e emergentes na compreensão ético-intelectual de assuntos em debate, deixo claro, desde já, que a minha aversão não se acasala à exclusão e a perseguição odiosa de cidadãos publicamente conhecidos para os debates na Imprensa; mas, sim, ao privilégio que gozam – minha crítica é contra a divinização opinativa, cidadã, intelectual e mediática de um grupo, contável a dedo, violando-se o direito à fala, a opinião e a expressão, pertencente a cerca de 20 milhões de liberdades moçambicanas, cujos direitos e liberdades se encontram cravados no direito nacional, regional e internacional de direitos humanos, designadamente Lei de Imprensa e Constituição da República de Moçambique, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção da Criança, Convenção da Mulher e demais instrumentos.
O ambiente de mesmice famosa na Imprensa está a denunciar que a Imprensa, o Estado e as instituições sociais moçambicanas se fundam e se organizam (ou deixam-se fundar e organizar-se) na base de privilégios, alimentando-se e fertilizando-se violações de direitos humanos da maioria. A condição humana da maioria não está, em sim, a servir de um quilate primordial para se beneficiarem e serem titulares de direitos e liberdades à expressão na Imprensa. O contrário, sim: pertença a uma classe-minoria monopolizadora, exploradora e sanguessugueadora, desprezando-se que os direitos humanos são de todos e não de um grupo-elite pós-colonial, como acontece em Moçambique – nossa pátria amada, que, dia-a-dia, juramos que nenhum tirano nos irá escravizar. Será que ouvir e ver, na Imprensa, apenas um grupo-elite não é mediocridade, praticada por tiranos mediáticos e seu pessoal serventuário?
Posto isto, a mesmice famosa na Imprensa é uma religião professada por e em toda a paisagem de nossos órgãos de informação jornalística, cujas fontes e abordagens são as mesmas, ritualizadas preguiçosamente por alguns editores, jornalistas, apresentadores e moderadores sarrafaçais e pré-construtores de consenso. Isso dá uma larga vaga de azo à afirmação do professor Lourenço do Rosário, em entrevista à revista Democracia e Direitos Humanos, em 2004, segundo o qual “o jornalismo moçambicano é o hino à preguiça”, citando o escritor Mia Couto, em alusão à fraquíssima investigação e a dúbios conteúdos jornalísticos e informacionais. E, acrescenta-se, à fraquíssima diversidade de fontes e opiniões de qualidade em temas publicados e entrevistados, quer na rádio, quer na televisão, quer nos jornais, quer na internet. Isto tudo exorciza a colocação que permeia todo este texto: as fontes dos órgãos de informação jornalística são, regra geral, as mesmas em quase todos os órgãos, particularmente os espaços nobres e/ou semi-nobres, salvo raras e honrosas excepções.
Nos órgãos de informação, a mesmice famosa na Imprensa está a criar um culto de personalidade, fechamento mental e pré-construção de consenso nos jornalistas e nos frequentemente entrevistados e convidados ao debate, porque, como são analistas todo-terreno, não têm tido tempo de pausa para (re)vigorar e (re)ler os conteúdos geopolíticos, sócio-políticos, económicos, culturais, de direitos humanos e outros, para melhor peneirá-los, problematizando-os com a devida vénia, humildade e ética intelectuais, em obediência aos decretos de cidadania local e cosmopolita. Como alguns farão isso, padecendo do que o professor Carlos Serra (2006), em seu livro “Diário de um sociólogo”, chama de Doutorice? Alguma vez a Doutorice negou uma entrevista ou ir ao debate, mesmo não sabendo o que vai falar ou vai discutir? Em casos como estes, o preconceito antecede o conceito. Nalgumas vezes, penso, sem medo de tropeçar, que a diferença entre analistas todo-terreno e analistas-doutorice é igual, porque o que mais anseiam é um protagonismo caduco e vaidoso e uma fama estomacal, respondendo, assim, a esta hipótese: se não for desta vez, é para nunca. À semelhança de reptéis em sua vida vegetativa às árvores e ao chão, rastejar-se e acotovelar-se, na luta pela fama estomacal e erguidamente profano-ignóbil, nos espaços de órgãos de informação jornalística, é um exercício-indústria de gente provinciana – não pela sua proveniência-nascença; mas, sim, pela autopequenez ética e irresponsabilidade cidadã. Há que se aprender a observar longe, para desbaratar provincianices e atitudes redondas, que caracterizam Moçambique e e alguns moçambicanos actuais.
As consequências dessa atitude fanática, preconceituosa e discriminatória da nossa Imprensa, por (super)visibilizar as mesmas figuras, são infelizes e desvirtuam a democracia de opinião, enquanto um bem de cidadania. Os debates começam a ser apáticos, mecânicos, quiça cansativos, em meio aos vícios de fragmentação e provincialização temáticas, exorcizados pelos órgãos de informação jornalística e os seus familiares directos, digo, analistas todo-terreno ou analistas-doutorice.
Porém, devo ressalvar que tem havido algum esforço, embora contável e incipiente, de convidar pessoas bem anónimas, de fala inteligente e intelectualmente sofisticada, na Imprensa para opinar e debater ideiais. Devo ainda confessar que figuras sobejamente conhecidas há, cujas ideias permanecem sempre frescas e pedagógicas, para o consumo público, diferentemente de algumas falas apáticas, mecânicas, cansativas e conspiratórias. Abro uma nota de rodapé: momentos há em que a gravata, fato-de-luxo e a maquilhagem de alguns convidados fala mais que as suas palavras e ideias, revelando, talvez, que, temos, entre nós, intelectuais e académicos!? que possam ter mais gravatas e fatos-de-luxo (cultura material) que livros e conhecimentos sólidos e sistemáticos (cultura espiritual). Na minha pequenez racional, duvido que alguém com muito mais gravatas e fatos-de-luxo e quase nenhum livro (que tem lido) possa ser chamado de intelectual e académico, pura e simplesmente, por ter passado por uma instituição do ensino superior. Pessoas há, entre nós, que sempre que viajam para o exterior regressam apenas com gravatas, fatos-de-luxo, saias, blusas, coisas e objectos, sem um livro sequer para ler (se, por alguma eventualdade, lê, o objectivo é atacar pessoas determinadas, revelando seu senso preconceituoso – nisso não há discussão de ideias). E enchem a boca, autobajulando-se de intelectuais e académicos: são estes que se apresentam, frequentemente, com falas apáticas, mecânicas, cansativas e conspiratórias. Este é um exemplo do que chamo de analistas todo-terreno e analistas-doutorice. Fecho a notinha de rodapé, antes de, igualmente, ser apático, mecânico, cansativo e conspiratório, o que pode ser contra-producente.
Proposta para erradicação da mesmice famosa na Imprensa
1. Os jornalistas devem ler e diversificar as fontes no seu órgão de informação
Os jornalistas devem continuar a ler. E, na leitura, certamente, encontrarão vários horizontes e abordagens de autores diferentes. Por exemplo, o livro Moçambique: 10 Anos de Paz (2002), coordenado por prof. Brazão Mazula, tem autores vários, tal como o Conflito e Transformação Social: Uma paisagem das justiças em Moçambique (2003), organizado por prof. Boaventura de Sousa Santos (português) e Juiz-Conselheiro do Tribunal Supremo, João Carlos Trindade (moçambicano). Estas duas obras têm co-autores: uns mais conhecidos e outros desconhecidos publicamente. Nisso, encontro duas possibilidades. Primeira: os jornalistas e os seus órgãos de informação, ao ler, encontrarão vários autores desconhecidos, cuja pujança ético-intelectual é sofistica. E, assim, podem convidá-los, para enriquecer as notícias, reportagens, debates e opiniões, porque o país não pode ficar refém de opiniões de mesmas figuras públicas largamente conhecidas (mesmice famosa na Imprensa). Segunda: os jornalistas podem pedir aos publicamente conhecidos para que lhes dêem uma lista de 5 a 10 cidadãos que (muito) sabem falar sobre um determinado assunto (um conhecedor ou especialista conhece os igualmente profissionais, obviamente), para desmantelar a mesmice famosa na Imprensa. Penso ainda que esta proposta ajudaria a que os jornalistas e órgãos de informação jornalística tenham mais nomes em função de áreas ou temas para debate, diminuindo a unissonância de abordagens, o que constitui um grave pecado cometido contra a democratização das vozes e a liberdade de expressão, de imprensa, de pensamento, pertencente a cerca de 20 milhões de liberdades moçambicanas. Agora, desço à segunda proposta para erradicar a mesmice famosa na Imprensa.
2. Humildade dos convidados
Apresento uma proposta para os religiosos e fanáticos da mesmice famosa na Imprensa: Já que os jornalistas estão sempre lhe convidando para o debate ou para responder algumas perguntas, antes de aceitar, pensa se está em condições intelectuais e éticas para o fazer. Caso sim, responda. Mas, sempre que possível, já que a mediatização de sua fala não é novidade, pode dizer ao repórter/jornalista para que convide outras pessoas, de modo a que também se expressem sobre assuntos de vida nacional ou internacional, a não ser que tais perguntas devam tão-somente ser respondidas e esclarecidas por si, tais como um prémio que ganhou, acusação sobre si ou questões que só o posto que ocupa no Estado, Governo, Universidade, Empresa e Organização Não-Governamental. Por mais génio e brilhante seja intelectualmente, evite dar opinião sempre, como se Moçambique e o Mundo, desde que existem, esperassem somente de suas opiniões e visões. Vou à terceira proposta.
3. Erradicar o preconceito e a discriminação, elevando a inclusão
A mesmice famosa na Imprensa é o corolário do preconceito e da discriminação dos Outros. O preconceito, exorcizado e exacerbado pelos órgãos de informação, brota do sentimento e crença de que determinadas pessoas e grupos não têm qualidade e estatuto suficiente para discutirem ideias, por mais que sejam coerentes e lúcidos. Nestes termos, quando um órgão de informação e/ou jornalista exclui determinadas pessoas e grupos do inegociável exercício do direito humano à fala e a expressão está, pela lógica das circunstâncias, a discriminá-los. E a discriminação visa anular, excluir e restringir a dignidade do Outro.
Assim, a proposta prende-se com a inclusão de demais cidadãos no exercício de fala e de transmissão de suas ideias e visões na Imprensa. Para que se caminhe para a inclusão, necessário é que os órgãos de informação jornalística reconheçam que têm operacionalizado discriminação dos Outros, favorecendo um grupo contável a dedo. Do reconhecimento moral, pode passar-se para a fase de operacionalização de inclusão de pessoas e grupos discriminados para colocarem suas visões e opiniões, dentro de princípios de (inter)nacionais de direitos humanos, em respeito à sua dignidade humana.
Maputo - Jornal ZAMBEZE, 22 de Maio de 2008, pag 27, nr.296, Ano VI
O blogojornalismo pró-direitos humanos é a ferramenta prática que encontrei para debater direitos humanos; interpelar e vigiar as autoridades estatais, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do direito (inter)nacional dos direitos humanos e na implementação das políticas públicas e trazer reflexão contextualizada sobre Moçambique. Começo este ano, 2014, a debater direitos humanos, a partir de uma perspectiva dos africanos bantu. A isso chamo de direitos bantu-cosmopolitas...
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