Tal como aconteceu em vários países africanos, latino-americanos e europeus do leste, o Estado moçambicano reconheceu integralmente os direitos humanos, nos últimos 19 anos. Esse reconhecimento encontra-se instituído na Constituição da República de Moçambique, que inaugurou o sonhado Estado de Direito Democrático. Desta Constituição advieram novos e inúmeros dispositivos jurídicos, instituições democráticas e sociais, em virtude da nova fase nacional, cujos fundamentos éticos são - ou, no mínimo, deveriam ser - direitos humanos. Vale sublinhar que antes de ’90, Moçambique
reconhecia o que posso chamar de “direitos humanos socialistas”, em consequência da então orientação marxista-leninista. Porém, esse reconhecimento não quer referir que a anterior Constituição que vigorou até ´90 não plasmava parte dos direitos civis e políticos. Apenas esclarecer que a Constituição que vigorou até ´90 respondia às exigências e requisitos do projecto marxista-leninista, instalado forçosamente pelas circunstâncias da guerra fria - este é apenas um dos factores.
Reconhecimento de direitos humanos
Os moçambicanos ainda que insatisfeitos com o grau de desempenho de várias instituições, alguns dos resultados da institucionalização de direitos humanos estão, certamente, à vista de todos: três eleições presidenciais e legislativas e até municipais, legislação supra e infra-constitucional pró-direitos humanos, Conselho Constitucional, surgimento de várias paisagens de agências cívicas não-governamentais.
Outrossim, os direitos humanos têm tido reconhecimento político e social na agenda pública moçambicana. Bem recentemente, lembro-me que a Imprensa moçambicana reportou sobre a vontade político-governamental e parlamentar para a criação da Comissão Nacional de Direitos Humanos. Creio que desta futura comissão frutificarão novas comissões provinciais, municipais e distritais de direitos humanos, para além de debates e propostas para a criação de mais institutos especializados em direitos humanos, a exemplo da família, mulher, criança, idoso, portadores de deficiência, educação, saúde, habitação, emprego e mais.
Ao que tudo indica, ainda que hoje provavelmente seja imperceptível, os moçambicanos, individual ou colectivamente, estão a ser socializados para compreenderem a relevância dos direitos humanos nas esferas de vida – da doméstica até à política. Então, pode-se dizer que a semente de direitos humanos está a germinar, mesmo que haja muitos “poréns” e caminhos pedregosos por trilhar. Ao fim, terá valido a pena, certamente.
Moçambique não tem como não assumir que a semente de reconhecimento integral de direitos humanos está a germinar. Recentemente, a Liga Moçambicana de Direitos Humanos (LDH)tribunalizou, em Maputo, um caso de polícia que havia desumanizado mortalmente cidadãos, contrariando o direito à vida. Julgado o caso, o polícia foi condenado pelo crime que cometeu (Aproveito este gancho para lembrar que, antes de ´90, os agentes e autoridades do Estado brutalizavam cidadãos à morte, em respaldo à legislação pró-pena de morte). Aliás, há que referir que já há mais de dez anos que a LDH vem denunciando a brutalização que os cidadãos moçambicanos sofrem nas mãos de policias e agentes prisionais. Esta e outras agências despertaram a sociedade sobre os seus direitos humanos, razão pela qual o baleamento mortal da vida de uma pessoa é reconhecido e discutido socialmente como crime. Aliás, aponta-se o direito à vida, bem plasmado no direito nacional dos direitos humanos – e a Constituição é a pedra angular nesse aspecto.
Não só são violações ligadas ao direito à vida que têm sido conduzidas pelas agências não-governamentais e reconhecidas e julgadas nos tribunais; mas, igualmente, direitos ao trabalho, violência doméstica e mais, embora a sua entrada ao Poder Judiciário seja contável a dedo. Regra geral, quem leva a maior parte dos casos da população desfavorecida ao tribunal são agências não-governamentais, facultando uma dinâmica judicial para se adequar à linguagem e prática de direitos humanos.
Entretanto, direitos sociais há que ainda que violados são difícilmente reportados e julgados nos tribunais, a exemplo da falta de vaga escolar (de qualidade) para a criança (direito humano à educação), falta de atendimento médico ou falta de medicamento de uma simples e perigosa malária (direito humano à saúde). Bem dito e contextualizado, vezes sem conta, o reconhecimento e exercício de direitos culturais, sociais e económicos não têm ganho o mesmo espaço e força que os direitos civis e políticos no Judiciário, por causa do discurso ideológico dos direitos humanos, que, infelizmente, também adentrou em Moçambique. O discurso ideológico dos direitos humanos produziu simultaneamente a crença do amanhã certo - é obrigatório que tenhamos eleições em cada quinquênio; e do futuro incerto - pode faltar pão em cada quinquênio.Seja como for, é imperioso que o Estado moçambicano tenha uma estrutura de valorização de políticas públicas, assentes em direitos humanos. Assim, o reconhecimento social de direitos humanos florescerá. Ao lado das instituições de administração da justiça teremos agências sociais do Estado que trabalhem para a redução da nudez social, que é um simbolo vivo de ausência de direitos humanos.
Pontapé de saída
Com bastante urgência, os direitos humanos precisam de reconhecimento em todas as áreas e instituições do Estado e da sociedade, no seu todo, priorizando a sua matriz ética e relevância social. Mais um exemplo me vem à memória: posso afirmar que o debate sobre (a não ratificação d)o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, recentemente promovido pela Ordem dos Advogados de Moçambique, é um dos indicadores para a percepção de que alguns segmentos da sociedade reconhecem a viabilidade política, judicial e social dos direitos humanos.
Porém, fazendo fé ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (órgão da União Africana), a exclusão social e a partidarizacão do Estado são um dos cardápios retrógrados para Mocambique contemporâneo. Nestas condições parece ser enganador dizer que há em Moçambique reconhecimento dos direitos humanos. Estou a contradizer-me? Claro que não. Apenas fui obrigado a colocar um porém, bem no finalzinho do meu exercício de liberdade de pensamento e direito à fala... Josué Bila
O blogojornalismo pró-direitos humanos é a ferramenta prática que encontrei para debater direitos humanos; interpelar e vigiar as autoridades estatais, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do direito (inter)nacional dos direitos humanos e na implementação das políticas públicas e trazer reflexão contextualizada sobre Moçambique. Começo este ano, 2014, a debater direitos humanos, a partir de uma perspectiva dos africanos bantu. A isso chamo de direitos bantu-cosmopolitas...
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2 comentários:
Alberto Nhama Manuel" amanuel@ta.gov.mz>
Aló Josué, li o seu texto, no seu blog. E mais, vi também a recomendacão para que os comentários aos seus textos sejam feitos directamente no seu blog.
Entretanto,lamento o facto de eu não ter uma conta no gmail a partir da qual posso inserir o meu texto no blog.
Por causa disto, continuarei a mandar para o seu e-mail (lamentavelmente)!
REAGINDO E COMENTANDO O TEXTO
No seu primeiro parágrafo afirma que o Estado moçambicano à semelhança dos outros Estados reconheceu internamente, os direitos humanos nos últimos 19 anos (estou a citar a ideia, mas não uma citação literal).
Esta ideia não merece crédito porque a Constituição pátria, de 1975, já dedicava um capítulo específico que trata dos direitos humanos. Estou a falar do TÍTULO II, Com a epígrafe: Direitos e Deveres Fundamentais dos Cidadãos.
Por outro lado, a fonte de reconhecimento dos direitos humanos não é, apenas, a Constituição mas também a Lei ordinária, os Dcreto-Leis, Decretos, etc. Com efeito, na vigência daquela Constituição vigoravam os Códigos penal, Civil e outra legislação que reconhece, integralmente, os direitos humanos.
Temos de reconhecer que aquele texto constitucional (1975), comparativamente ao actual e à tendência mundial nesta matéria, consagrava deficientemente os direitos humanos (apenas 12 artigos contra os 42 da CRM de 1990 e 60 da CRM de 2004). E mais, quando faz referência ao ao Direito Internacional, em matéria de direitos humanos, apenas, alude ao Pacto Internacional dos direitos económicos, sociais e culturais o mesmo não faz em relação ao Pacto Internacional dos direitos Civis e Políticos (artigo 8 daquela constituição).
Desde logo deve se concluir que, quase todos os direitos humanos consagrados no Pacto Internacional dos direitos Civis e políticos, não tinham assento constitucional.
Este posicionamento do legislador constituinte pátrio, naquele tempo, fragiliza a esta categoria de direitos. Isto porque quando um direito humano não tem assento constitucional, embora esteja na Lei ordinária, este fica ao critério da boa vontade do legislador ordinário. E porque existe muita mutação da lei ordinária, este pode ser removido ou alterado, com muita facilidade, da categoria dos direitos humanos de um determinado Estado.
Por causa desta falta de reconhecimento Constitucional dos direitos Civis e políticos naquela Constituição, foi a provada a Lei contra os Crimes Militares, a lei nº17/87, de 21 de Dezembro, a Lei que autoriza a punição dos crimes militares.... que autorizava, em determinados casos, como pena (acto do juz, mediante julgamento. Daí que toda tortura ou fuzilamento que não tivesse sido medida do juiz é irregular e criminosa, memso nesta altura.pois sendo uma medida legal devia ser feita nos moldes estabelecidos na Lei e não arbitrariamente)O FUZILAMENTO (alínea e) do artigo 20) E A CHICOTADA (alínea e) art. 21 da mesma lei) que constituem uma violação dos direitos a integridade física e a vida.
De todo modo, embora tenha havido esta barbaridade na vigência daquela constituição (1975)NADA NOS AUTORIZA A AFIRMAR QUE ELA CONSAGRAVA DIREITOS FUNDAMENTAIS POR SEGUINTES MOTIVOS:
a) a Constituição de 1975 tem um capítulo que trata de direitos humanos, o TÍTULO II;
b) aquela Constituição faz referência ao Direito internacional em matéria de direitos humanos: Pacto internacional dos direitos sociais económicos e culturais (o mesmo não faz em relação ao pacto internacional dos direitos civis e políticos), artigo 8.
c) embora dê mais ênfase aos direitos sociais, económicos e culturais, existem disposições naquela Constituição que consagram os direitos civis e políticos (liberdade religiosa artigos 19 e 33; direito ao asilo artigo 25; sufrágio universal para pessoas com maior de 18 anos artigo 28; inviolabilidade do domicílio e correspondência e reserva da intimidade privada artigo 33; o direito a liberdade e segurança com garantia de não ser preso ou submetido senão nos termos da lei artigo 35 todos da constituição de 1975).
Estimado Nhama,
obrigado pelas tuas colocacoes e por me lembrar alguns pontos importantes da Constituicao da primeira republica. Cortei alguns paragrafos abaixo, porque sempre que tentava publicar seu comentario foi pedido o corte dos caracteres.
Ha um ano escrevi e publiquei nas paginas nobres do jornal ZAMBEZE (mando-te o texto por email)colocando exactamente o que colocas: a constituicao de 1975 referencia os direitos humanos, embora com alguma "timidez socialista". Isso, porem, nao quer dizer que lá não havia os civis e politicos. Alias, a escrita contemporânea comeca a negar a distincao e fronteirizacao dos direitos humanos em cicis e politicos e económicos, sociais e culturais, por causa da interdependencia e indivisibilidade. Exemplo: direito a saude e direito a vida. Se nao houver politicas publicas na área de saúde, assentes em direitos humanos, verifica-se pela experiencia que o direito a vida pode ser prejudicada. Talvez apontar O HIV/SIDA que é um problema transversal...
Seja como for, obrigado pelos teus comentários... é assim como poderei melhorar os meus escritos, com comentarios como os teus... Josué Bila
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