sábado, 22 de novembro de 2014

“Quem quiser Estado perfeito, que pegue avião, amanhã cedo, e vá aos Céus”


“Quem quiser Estado perfeito, que pegue avião, amanhã cedo, e vá aos Céus”

- Josué Bila

Josué Bila
A problemática dos direitos, sendo uma preocupação na sociedade e um dos maiores pontos de debate no panorama social, pela sua proeminência, assim como pela necessidade de criação de uma sociedade que respeite a dignidade humana, os seus princípios de vida, e os seus direitos no que diz respeito à prática da sua cidadania, acesso à informação, que poderá servir como chave principal na criação de uma sociedade mais inclusiva, democrática onde os cidadãos contribuam para o desenvolvimento do país.
Por essa esteira de pensamento, em conversa com Josué Bila, O DEBATE procurou saber não só do objectivo do seu livro “Direitos Humanos em Africa – Questões moçambicanas”, mas também das suas vivências no Brasil, local onde se encontra por motivos académicos.

Há que lembrar que Josué Bila é um jornalista moçambicano. Estudou direitos humanos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e actualmente está em fase de conclusão dos seus estudos teológicos na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Jornal Debate (JD): Lançou recentemente a Obra “Direitos Humanos em África – Questões moçambicanas”. Qual é a mensagem que pretende enviar à sociedade?
Josué Bila (JB): É preciso dizer que escrevo sobre direitos humanos há sensivelmente 12 anos. E os textos encontram-se publicados, em Moçambique e no exterior. Em algum momento percebi que os meus escritos e entrevistas eram, ou são, usados nas conversas, nos debates e em academias. E a melhor justiça que poderia fazer aos textos seria eternizá-los em livro. Posto isto, posso então dizer-te que uma das mensagens principais do livro é lançar o debate em torno dos direitos humanos em Moçambique, e os entrevistados, notavelmente competentes nas suas áreas de actuação, trouxeram interpretações ético-intelectuais, e exegeses académicas robustas dos direitos humanos.
JD: Como foi o processo das entrevistas aquando da preparação do livro?
JB: Parte das entrevistas foram feitas, presencialmente, quando ainda vivia em Moçambique, terra gloriosa, onde nenhum tirano nos irá escravizar, como diz o nosso hino nacional. Outras quando o relógio do Eterno me destinou a São Paulo (Brasil), mandei perguntas aos entrevistados e estes, sabiamente, responderam. É bom que se diga que são 17 entrevistas, dos quais 16 são moçambicanos e 1brasileiro. Lamentavelmente a presidente do Fórum Mulher, Graça Samo, e a presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, Alice Mabota, não puderam satisfazer o meu pedido de entrevistas, por motivos que não sei. Para o nosso nível de cidadania medrosa, estas duas mulheres são representativas da cidadania corajosa. Se tivessem respondido, teria sido muito bom para a História. Como não são figuras presentes no livro, lamento. O que me consola é que a História dos direitos humanos em Moçambique não depende delas, depende de todos nós.
JD: Falando do estágio dos direitos humanos, no mundo e particularmente no país, quais as maiores dificuldades que considera obstáculo na formação do cidadão e respeito pelos seus direitos?
JB: A pergunta é apetecível para Moçambique, e se não fossemos preocupados com o estômago, poderia ser usada para grandes teses. Uma das grandes dificuldades na formação dos cidadãos e respeito pelos direitos humanos é a falácia em torno dos direitos humanos, movida pelos países ocidentais e por países africanos, como Moçambique, sempre que haja interesse. Lembremos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 1948, em meio ao colonialismo. No caso moçambicano a elite da FRELIMO, segundo o jornalista inglês Joseph Hanlon, pediu na década de 60, apoio para a Independência Nacional à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Com a Independência, o futuro Estado Moçambicano implementaria parte dos direitos humanos. Porém, a OTAN e EUA, ficaram do lado de Portugal, negando o apoio à FRELIMO e aos moçambicanos. Ao mesmo tempo, como dissera Samora Machel, nos anos finais da década de 70, a OTAN ajudou criminosamente Portugal, a África do Sul do Apartheid e a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), para, em plena luta de libertação, matarem moçambicanos e destruírem um dos inícios dos direitos humanos: a autodeterminação. Ora, como disse, existe falácia nos direitos humanos. Os mesmos países que defendiam a democracia e direitos humanos combatiam a FRELIMO, que lutava pela independência, a qual é um sinal vivo de busca e implementação de direitos humanos. É algo de que não costumamos falar, mas os direitos humanos são defendidos pelos países hegemónicos, de acordo com os seus interesses geopolíticos. Depois destes rancores euro-americanos contra a Independência de Moçambique, e em meio à Guerra Fria, os nossos algozes, nomeadamente o regime da Rodésia do Sul e o do Apartheid, ajudaram a criação do movimento guerrilheiro em Moçambique (RENAMO), usando uma expressão do jornalismo moçambicano, “com um olhar impávido e sereno” dos países euro-americanos. Aliás, em alguns destes países havia grupos que ajudaram política e financeiramente a RENAMO. Posso parecer estar a conspirar contra a RENAMO, mas não! Como crer, por exemplo, que a RENAMO lutou pelos direitos humanos e democracia, se os seus amigos regionais e internacionais violavam, ou continuam a violar, direitos humanos, em conformidade com os seus interesses? Há bem pouco tempo, aquando do aparecimento de Afonso Dhlakama, dos embaixadores quem o cortejou? Com que interesses? De democracia? O que na verdade quero deixar claro, é que o respeito aos direitos humanos precisa sair da região da demagogia, para o espaço onde os beneficiários dos direitos humanos, os moçambicanos, se encontram. É óbvio que a demagogia e práticas euro-americanas não são as únicas que nos roubam os sonhos de implementação de direitos humanos. Desde antes da Independência existe um espírito demagógico-provinciano no Estado moçambicano, que dificulta a rapidez na implementação dos direitos humanos. Infelizmente, as organizações não-governamentais de direitos humanos são provincianas e estomacais na defesa de direitos humanos. As suas demandas dependem dos seus financiadores. Os financiadores de organizações não-governamentais têm interesse pelos direitos humanos? Com todo este cenário o que faremos? Eis as perguntas pós-estomacais.
JD: Qual é a maior fraqueza para a efectivação de luta pelos direitos humanos no país?
JB: A efectivação de luta pelos direitos humanos, em Moçambique, não falta. É uma luta fraca. Penso que precisamos que as instituições da sociedade e do Estado debatam seriamente, com vista ao interesse comum. Penso que as organizações não-governamentais moçambicanas têm levantado poucas questões ligadas à história da luta pela autodeterminação, pela terra e pela dignidade, que começou com os nossos ancestrais, cujo ápice é sistematizado pelos movimentos pré-Frelimo e depois pela FRELIMO, desde 1962-1975. Os nossos ancestrais, os movimentos que precederam a FRELIMO (Mano, Udenamo e Unamo) e a FRELIMO devem ser destacados como defensores dos direitos humanos. A meu ver – que confesso ser bem modesto – se Moçambique quer efectivamente lutar pelos direitos humanos deve pensar, em primeiro lugar, nos registos de História.
JD: Que diferença podes avançar entre Brasil e Moçambique, no que tange o usufruto e prática dos direitos humanos?
JB: Embora viva no Brasil, há já algum tempo, não me vejo com competências para falar sobre o país. Não é bom transmitirmos emoções arruaceiras e conversas provincianas nos debates, aliás, o espírito arruaceiro e conversas provincianas não são bem-vindos no debate, a não ser que apareçam para serem estudados.
(Risos…). Já que insiste nesta questão, posso dizer que o Brasil está noutro patamar de usufruto e prática de direitos humanos, a maioria esmagadora dos brasileiros tem emprego, seja do sonho ou não. O sector público tem aberto concursos para empregos, alguns dos quais com salários relativamente fabulosos, a exemplo do sector da justiça. É bom que se diga, em abono da verdade, que os concursos públicos, pelas informações que tenho, são transparentes, não havendo mão do partido X e Y a distribuir empregos por via de partidos. É óbvio que haja alguns empregos que são, pela sua natureza, de confiança. Infelizmente, nesse caso, tem havido, às vezes, a mão do partido X e Y a distribuir favores ou distribuição de empregos por meio de familiares e amigos. Este é um assunto para muito debate. Precisaria da História do Brasil, sua formação e desenvolvimento de instituições, sejam públicas ou privadas. Nisso não tenho competência. Seja como for, o sector da criação de empregos, no sector público ou privado, é obviamente diferente do moçambicano. Como sabe, com emprego, um pai ou uma mãe têm o mínimo para sustentar a sua família. O facto de em milhares de famílias brasileiras, não haver falta de pão, queijo, leite, almoço e jantar é, no mínimo, um aspecto diferenciador se comparado com a nossa bela pátria, cuja tirania da fome é avassaladora, nas famílias e pessoas, singular e colectivamente. Por ora, paro por aqui.
JD: Na obra fala do judiciário moçambicano. O que pretende ao abordar o tema no contexto dos direitos humanos?
JB: Uma das minhas falas no livro tem a ver com o facto de que os direitos humanos não podem ser defendidos com ignorância sobre os mesmos, e nem tão pouco com carácter transgressor aos demais princípios éticos e deontológicos, nos Tribunais, Ministério Público, Polícia e demais instituições de administração da justiça. A maior parte dos nossos magistrados judiciais e do ministério público sofre de um “apagão académico-intelectual” sobre direitos humanos e não sabem correlacionar a Constituição da República de Moçambique com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. É preciso, ainda, lembrarmos que antes de 1990, os direitos civis e políticos eram preservados à medida dos interesses do partido-Estado. Quando o partido-Estado quisesse matar e torturar um cidadão assim o fazia, sob o manto da lei. Devo dizer que no pós-1990 passou a existir espírito jurídico-constitucional positivo em relação aos direitos humanos, vistos em sua interdependência, indivisibilidade, universalidade, mesmo que ainda tenhamos de percorrer caminhos longos. Antes que me alongue, defendo, juntamente com os meus pares defensores de direitos humanos espalhados pelo mundo, que em Estado de Direito Democrático, o judiciário independente é relevante para a almejada convivência pacífica entre pessoas e instituições, buscando inspirar-se sempre nas lógicas jurídico-constitucionais, basicamente influenciadas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Josué Bila
JD: Fala, na obra, sobre “Guebuza e o geoprovincianismo presidencial”, o que quer com isso dizer?
JB: Naquele texto discuto o óbvio, porém, uso uma terminologia que não nos é habitual, no contexto político moçambicano: “geoprovincianismo presidencial”. E lá, no meu livro, o descrevo melhor, penso. Embora eu tenha debatido e feito a facto grafia (descrição dos factos) da presidência de Guebuza, estou a sugerir que qualquer que seja o presidente de Moçambique, deve ter compromissos republicanos e ética de Estado, expurgando do seu seio tudo quanto possa impedir que a humanidade moçambicana venha a desenvolver-se. Posso ainda dizer que “geoprovincianismo presidencial” moçambicano, neste momento, se caracteriza pela não inclusão de outros partidos no Estado. Por que não termos ministros que sejam da sociedade e não necessariamente do Partido no Poder? Ou embaixadores? Espero que o futuro Chefe de Estado não caia no geoprovincianismo presidencial de Joaquim Chissano e Armando Guebuza. Mas, tenho a dizer também que não podemos esperar que Moçambique tenha presidentes cosmopolitas, cuja governação seja ética e transparente, ampliando espaços de cidadania, se a qualidade ética das pessoas e moral dos moçambicanos está em fase muito avançada de deterioração. Temos, em parte, os presidentes e governantes que merecemos, e que reflectem o que também nós, os governados, somos. Estamos num país cujas pessoas, nas suas relações interpessoais e institucionais, têm muito pouca honestidade e sempre manipulam as circunstâncias para ganharem vantagens. Quantas empresas privadas moçambicanas poderiam pagar salários um pouco melhores aos trabalhadores e não pagam? Já notaste que muitos de nós queremos que o governante seja honesto, quando hipocritamente escondemos os nossos espíritos macambúzios e práticas desonestas? Quantas organizações não-governamentais de defesa de direitos humanos violam os direitos dos seus trabalhadores, e desviam os recursos financeiros doados para os seus apetites? Dificilmente teremos um presidente cosmopolita, se a sociedade vive mergulhada em comportamentos do provincianismo estomacal! O futuro próximo de Moçambique não me dá esperança para que tenhamos um presidente cosmopolita, em virtude de, ainda, termos uma sociedade civil medrosa, intelectuais sem trabalhos intelectuais e académicos (salvo raras e honrosas excepções) e partidos políticos estomacais, muito interessados em ganhar as eleições para pilharem ou começarem a pilhar o Estado – falo daqueles que pretendem expurgar o poder da FRELIMO. Aliás, já notaste que os partidos políticos moçambicanos não são transparentes? O exemplo da RENAMO é gritante! Sabes que transparência financeira existe na RENAMO? Imagina, no dia em que a RENAMO chegar ao Poder? Cuidado com o messianismo político. Dhlakama ainda hoje é presidente da RENAMO. É vitalício? Onde estão os grandes homens da RENAMO, desde 1992 e anos seguintes das eleições (1994, 1999, 2004, 2009 e 2014)? Um partido que gira em torno de um homem é um grande indicativo de que, numa possível governação, pode continuar com os provincianismos domésticos de gestão.
JD: O que pode avançar sobre a Liga dos Direitos Humanos (LDH)? Acha que tem pautado firmemente pela defesa e prática dos direitos humanos na sociedade moçambicana?
JB: Para os níveis provincianos e estomacais da nossa cidadania medrosa, a LDH tem lutado, firmemente, pelos direitos humanos. Prova disso é o facto de que qualquer assunto, em Moçambique, que envolve o assunto de direitos humanos, a LDH se destaca, com mérito, ao nosso modo. Porém, penso que a LDH está num contexto em que as organizações não-governamentais moçambicanas recebem financiamentos gordos das embaixadas e das organizações não-governamentais internacionais, com uso de recursos pouco transparente, sejam financeiros ou humanos. O que os financiamentos gordos podem causar? Por hipótese, posso pensar que uma esmagadora maioria dos defensores de direitos humanos, em muitas organizações não-governamentais, o é primeiramente porque há oceanos de dólares vindos do Ocidente, através das embaixadas ou outros meios euro-americanos, e não necessariamente porque amam a causa dos direitos humanos. Os direitos humanos são muito mais do que o dinheiro euro-americano! É vida. É entrega, independentemente do salário no fim do mês. Ou seja, os níveis de defesa de direitos humanos da LDH são provincianos e estomacais, pelo contexto moçambicano. Porém, continuo a afirmar, no nosso contexto, esta organização é brilhante. O debate que esta organização não-governamental, e outras, levanta impede a liberdade de pensarmos a História moçambicana no pré-Independente sobre direitos humanos e, hoje, sobre Pacto Nacional sobre Direitos Humanos. Que direitos humanos queremos, se quem financia os direitos humanos já tem as suas agendas? Que tal começarmos a pensar nos direitos humanos a partir dos valores africanos, óbvio, sem desprezar os euro-americanos?
JD: Pode falar-nos sobre o direito à cultura intelectual da criança?
JB: Muita coisa pode ser dita quanto a este direito, ou assunto. E é um assunto de suma importância para Moçambique. Lamento que as pessoas digam que os livros sejam caros, nenhum livro é caro. O que, de facto, é caro é a ignorância. O preço da ignorância é muito alto. O que é caro é o adulto ou a criança não disporem do conteúdo que o livro, ou os livros, contém. O livro não. Os pais precisam, como já abordei o assunto em sede própria, deixar de comprar muitos sapatos para as crianças e envolvê-las nos livros e na leitura. O consumismo espreita e está a tragar a nossa sociedade. O sapato e a camisa, ou produtos similares, valem mais que o conhecimento intelectual, no meio dos bantu da “província” de Moçambique, e os livros ficam em último plano. E como os recursos financeiros, para livros, escasseiam em muitas famílias, o cheiro do livro nem passa pela janela. Conheço muitos pais que, mesmo ao viajar para fora do país, ao regressarem a Maputo, ou outra região do país, têm nas mãos presentes ligados a roupas e algumas futilidades. É óbvio que o Estado, empresas e outras agências da sociedade têm dever nisso. Uma criança, que tornar-se-á um adulto sem conteúdo, envergonhará em primeiro lugar os seus pais e só em segundo plano o Estado. Os pais têm obrigações acima do Estado. Antes da existência do Estado, a família já existia e a natureza já demonstrava que a primeira educação seria forjada pelos pais.
JD: Pensa que o Estado moçambicano respeita os direitos dos cidadãos?
Josué Bila
JB: É realmente uma pergunta de difícil resposta. Apesar disso, posso afirmar que o Estado moçambicano respeita, sim, os direitos humanos. Só o facto de os cidadãos estarem livres para debater em fóruns vários, sem medo de retaliações, já é um sinal de que existe respeito destes princípios universais. O Estado moçambicano não encarcera jornalistas por pensarem diferente, embora haja pessoas provincianas ali e acolá, que fazem parte da administração do Estado que têm apetite antidemocrático, prontos para degolar pensadores livres, cujo teor intelectual é cosmopolita. Mesmo com tudo isso, a nossa imprensa é prova de que o nosso Estado não encarcera. As reportagens e opiniões livres são sempre escritas. É óbvio que não podemos ter ilusões de perfeição do Estado moçambicano. Existe algum Estado perfeito no mundo? Quem quiser Estado perfeito, que pegue avião, amanhã cedo, e vá aos Céus. No entanto, o perfil do Estado pós-1975 até 1990, apelidado pelos teóricos de primeira República, guindava-se pelo escangalhamento do que o professor Mazula chama de “imperativo de pensar diferente”. Existe obviamente resquícios da primeira República, porém o manto do Estado de Direito faz sombra aos apetites da cobardia de algumas elites revolucionário-provincianas. Agora, é bom que se diga que os direitos humanos não são só direitos e liberdades civis e políticas. É preciso que haja políticas públicas, para os direitos económicos, sociais, culturais, sexuais, com vista à realização plena dos direitos humanos, onde todos os cidadãos possam usufruir de dignidade humana.
JD: O que tem a dizer sobre a não ratificação do PIDESC pelo estado moçambicano?
JB: Penso que o Estado moçambicano não está disposto a comprometer-se jurídica e judicialmente, no que tange os direitos económicos, sociais e culturais. Mas mesmo com a indisposição do Estado, advogados versados em direitos humanos podem usar a constituição, e outros documentos regionais e internacionais de direitos humanos, para exigirem a implementação de direitos humanos. Infelizmente, o Estado moçambicano e os “gloriosos” doadores obrigam a que os moçambicanos votem em cada cinco anos (isso está no catálogo dos direitos civis e políticos), mesmo que isso não acarrete em ter o pão, para se alimentar (direitos económicos, sociais e culturais). O estado encontra-se capturado, em alguns casos, pela demagogia da democracia e defesa dos direitos humanos, a partir de um modelo euro-americano. Por isso, como diz o Professor Lourenço do Rosário, democracia sem desenvolvimento é uma fraude. Vivemos de fraude em fraude. As eleições pouco ou nada trazem em benefícios, para as pessoas, no dia-a-dia. O “my love” é prova disso, não votamos para ter transporte digno?
JD: Falando do jornalismo de investigação, em particular na promoção dos direitos humanos, qual é a maior crítica que deixa?
JB: Há três anos eu pensava em direitos humanos apenas numa perspectiva euro-americana, e não numa perspectiva africana, por causa das minhas primeiras escolas, designadamente a famosa Liga Moçambicana dos Direitos Humanos e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003-2006). É óbvio que não são apenas essas duas instituições que me socializaram na área, mas elas são relevantes no processo. Porém, a fase de criança em debate sobre os direitos humanos não poderia parar no edifício euro-americano, em virtude de leituras que diferenciam ou aproximam o debate de direitos humanos, historicamente construídos a partir do Ocidente e os direitos e deveres, com os valores de instituições de ancestralidade bantu. Vou encurtar, porque isto é uma entrevista e não aula – e quem sou eu para te dar uma aula? Eu e tu ou, melhor nós (para incluir os demais provincianos e cosmopolitas, ali e acolá) somos cooperadores do conhecimento. Estou a fazer leituras sobre a nossa História e instituições bantu e percebi, em alguma literatura, que indicações e instituições de democracia e debate de ideias para a solução de problemas da sociedade existem em várias comunidades africanas. Estou a alertar para que estudemos as nossas realidades históricas, sociais, políticas, económicas e diplomáticas e veremos que temos uma tradição de vida muito rica. Porque para debatermos ou escrevermos sobre democracia e direitos humanos precisamos pensar a partir de Atenas ou Grécia, ou as declarações francesa e americana, mais recentemente, se o curso Histórico africano ou bantu tem aspectos sobre direitos e dignidade? Como escrevera o etnógrafo e missionário suíço Henri Junod, os bantu têm na sua fala aspectos de retórica e conhecimento de termos judiciários. Porque não aproveitamos o que a natureza e sociedade africana já nos deram para construirmos uma democracia que copie as instituições democráticas do Ocidente? Neste momento, crítico a mim mesmo e aos meus colegas pela fraqueza de apresentarmos propostas de democracia e desenvolvimento a partir de África. É óbvio que o curso da globalização está aí, e temos de entrar na agenda global, mas penso que é possível trazer África e as suas instituições ancestrais ao debate. O jornalismo precisa despertar. Andamos, nós jornalistas, com carência de levantar debates, razão pela qual Dhlakama é assunto nacional – e na carência de melhores lideranças no e para o País, ele vira messias. Posso ser ousado, em circunstâncias de carência de lideranças, os piores viram melhores e os melhores, porque já arrepiam o jornalismo, viram piores. Agora não posso também vociferar somente o mal, no nosso meio. O jornalismo moçambicano melhorou, talvez mais que o seu próprio País. Tem mais gente qualificada, num ponto de vista de soma quantitativa ao nível académico (não sei se existe crescimento qualitativo, num ponto de vista ético, com implicações morais em toda a classe jornalística) e com vergonha de praticar o que tenho chamado de jornalismo provinciano. Como sou crente de mudanças, creio que haja crescimento ético. Desta maneira, catapultam, uns e outros jornalistas, para aquilo que, no mesmo artigo que te referes, publicado pelo ZAMBEZE, em Abril de 2008, apelido de jornalismo responsável e cosmopolita. Tem sido a nossa e a minha utopia. E as utopias são realizáveis, creio.
JD: Sente saudades de Moçambique? Almeja voltar?
JB: Como sabes, o meu cordão umbilical foi enterrado em Moçambique. A minha relação com a terra-mãe é uma relação de amor e amizade, sem esquecer a cidadania. Todos os dias leio jornais que generosamente são enviados pelo jornalista, e amigo, Luís Nhachote e vejo vídeos noticiosos da Televisão Independente de Moçambique (TIM). Sinto, sim, saudades de Moçambique. Aliás, é uma mistura de saudade e nostalgia. Gostaria de a cada seis meses estar em casa, com os meus carismáticos pais e os meus simpáticos irmãos e sobrinhos, que nos trouxeram a esperança da posteridade, sem contar com os amigos. Mas, como sou casado aqui (Brasil), a minha alma tem recebido os bálsamos de minha esposa, Madalena. Em virtude desses bálsamos a minha alma, às vezes, irrequieta e inquieta se aquieta, com os oceanos românticos da minha linda e cuidadosa esposa. Como diz a Bíblia, a mulher sábia edifica a sua casa. Neste sentido, a primeira casa dela sou eu. Estou bem cuidado em São Paulo, nossa cidade.
 Sérgio dos Céus Nelson

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