Liga Mocambicana dos Direitos Humanos
Generalidades
A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, organização da sociedade civil dedicada a defesa e promoção dos direitos humanos, apresenta hoje em conferência de imprensa as suas constatações sobre a situação das execuções sumárias e tortura no país desde Dezembro de 2007 até ao momento.
Antes de mais, é preciso parabenizar o grandioso trabalho que a Polícia da República de Moçambique tem realizado no combate a criminalidade e na garantia da ordem e tranquilidade públicas.
Moçambique é um país em que a criminalidade tem atingido nos últimos dias, proporções alarmantes, principalmente devido a maior organização dos criminosos e fraquezas no sistema nacional de prevenção de crimes.
Execuções sumárias e torturas são, na sua maioria, crimes cometidos por polícias ou outros agentes da lei e ordem, sendo que a história do país contribuiu bastante para a manutenção desse tipo de crime nas práticas quotidianas da corporação.
Embora Moçambique seja parte da Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos degradantes, esses crimes ainda não têm nenhuma cobertura legal no nosso sistema jurídico, sendo em todas circunstancias tratados como ofensas corporais ou homicídios e não tortura e execuções sumárias respectivamente.Situação Actual
Até ao momento, a Liga de Direitos Humanos, tem na sua sede nacional, referentes a Maputo e Matola, reportado 15 casos de prováveis execuções sumárias, sendo que destes, não há dúvidas de que 7 foram realmente cometidos por agentes da corporação.Por questões obvias não mencionaremos os nomes das vítimas nem de alguns autores já conhecidos.
Dos sete casos, 3 são referentes aos corpos descobertos na vala comum da Moamba, sendo que um dos corpos pertencia a um jovem que em vida esteve detido no Comando da Cidade, que confirmou sua detenção e apreensão de seus bens domésticos.
Os outros quatro referem-se a dois cidadãos que em circunstancias diferentes foram abordados pela polícia, sendo que um deles foi baleado na sua própria viatura, tendo perdido a vida no Hospital Central e outro retirado da viatura e conduzido a um campo onde veio a ser baleado na Moamba.
Os outros dois referem-se também a dois jovens que foram mortalmente baleados um na Av. Acordos de Luzaka e outro na paragem de chapa do Benfica.
Os 8 corpos restantes dizem respeito a: 3 referentes a outro grupo de jovens considerados meliantes que foram executados e também enterrados na Moamba, sendo que um deles esteve detido na BO.
Os cinco referem-se a 3 jovens mortalmente baleados na Av. Guerra Popular e outros dois na sequência de 5 de Fevereiro.
Na sequência, a Liga dos Direitos Humanos, recebeu denuncias de vários casos de cidadãos que são dados por desaparecidos, sendo no total 6: três detidos, um dos quais mais tarde descoberto morto na Moamba na companhia de mais 2 jovens e outros três que desapareceram nos arredores das sua próprias moradias.
Até ao momento temos reportados 5 casos de tortura, sendo dois a quando dos acontecimentos de 5 de Fevereiro e 3 acontecidos recentemente, na semana que antecede o jogo de futebol entre a selecção moçambicana e a do Costa do Marfim, quando dois agentes interpelaram os jovens, os algemaram e sem razão nenhuma começaram a bater neles cruelmente tentando provar que eram criminosos.
Lembrar que a execução sumaria é sempre a fase mais elevada da tortura.
Entretanto, dois casos tiveram uma conclusão judicial favorável, sendo o caso Costa do Sol em que três agentes foram condenados a 21 anos de prisão e o caso do agente da casa militar que foi condenado a 18 anos de prisão.
Dos casos anteriores, há que salientar que o caso Penicela foi na semana passada acusado pelo Ministério Público e acredita-se que brevemente seguirá os seus ulteriores passos processuais.Causas das Execuções Sumárias
Várias podem ser as causas que levam os policiais a torturarem e ou a executarem cidadãos que se suspeitem ser criminosos, dentre várias podemos citar as seguintes:
Discursos preconceituosos e violentos como: impingir ódio ao criminoso, vingança ao criminoso, acabar com os criminosos;
Má selecção e má preparação ou treinamento dos agentes da lei e ordem que devem lidar com criminosos (recrutados na camada mais débil da população).
Dificuldades de dominar as técnicas de prevenção e investigação dos crimes (investigação, estratégia e inteligência);
Associação criminosa entre agentes policiais e bandidos (crime organizado);
Más condições de trabalho (salários baixos, falta de alimentos durante o dia de trabalho, esquadras sem condições materiais mínimas, farda e viaturas envelhecidas, etc) e incapacidade de manter uma superioridade de circunstancias com os criminosos (uma autoridade já afirmou que polícias trabalham no medo)
Corporativismo, impunidade e falta de Lei que condene as práticas: execuções sumárias e tortura);Quem Ganha Com a Tortura e as Execuções Sumárias
Mesmo que a política da corporação ou de alguns agentes que se pautem pelo assassinato de supostos criminosos, seja de manter a sociedade livre de malfeitores, a verdade é que a sociedade não ganha com isso. Ganham os criminosos e os vendedores de informação sensacionalista e nunca o Estado e a sociedade.
A tortura por exemplo, cria transtornos pesados e as vezes nunca reparáveis, tanto na vida de quem tortura bem como de quem é torturado.
Em Moçambique não há pena de morte e todos tem o direito a um julgamento justo. Na verdade, executar um cidadão, significa retira-lhe toda a possibilidade de gozar do seu direito a vida e de todos outros direitos a esse inerentes.Conclusões e Recomendações
O problema da tortura e das execuções sumárias em Moçambique continua sendo muito grande e é agravado por duas situações: falta de uma política pública de segurança pública e aceitação do mal pela corporação. Ou seja, a estratégia de combate ao crime não é participativo e inclusivo e a corporação recusa que no país os agentes executam sumariamente os cidadãos.
Hoje, diferentemente dos anos anteriores em que descobríamos corpos sem vida no Costa do Sol e sabia-se do respectivo campo como lugar de execuções, sabe-se que Moamba e outros lugares distantes são escolhidos para essas práticas, entretanto, como todos sabem, não há crime perfeito e sempre ficam rastos que indicam a mão da polícia, sejam eles no activo ou fora da corporação.
Mesmo que a corporação recuse, sabe-se que a nossa polícia está estruturada para matar. Está dentro dela uma boa parte dos antigos militares e as ordens mostram que o bandido deve ser eliminado. Isso por si só, vai perpetuar o mal, ou seja, mesmo os ganhos que temos em termos de condenações não vão ajudar em nada, pois, mais policiais, mais prisões e mais condenações significam mais presos, mas não necessariamente menos crimes.
Na verdade o se pretende não é intervir de forma individual mas estruturalmente, prevenindo o mal na sua base e não nos seus efeitos.
Assim, é necessário:
· Que o Estado perceba que a nossa policia trabalha em péssimas condições, que o seu salário é humilhante e que ele não tem o orgulho do seu trabalho;
· Que o criminoso, embora seja bandido é um ser humano e não um alvo a abater, dai que é preciso moderar o discurso do combate a criminalidade;
· Que é preciso purificar as fileiras policiais que estão capturadas pelo crime organizado;· Que o Estado precisa de uma Lei Contra a Tortura e Execuções Sumárias;
· Que não basta ter armas e polícias no campo, é preciso que tenhamos um política de segurança pública inclusiva e participativa;
· Que a impunidade é um dos grandes incentivos a desmandos, corrupção e más práticas de agentes do Estado;
· É importante que os cidadãos participem tanto no combate a criminalidade bem como na denuncia de todos actos praticados pelos policias: tortura e execuções. Sempre que um familiar desapareça de casa por um período anormal comunique-se às autoridades;
http://athiopia.blogspot.com/2008_09_01_archive.html
O blogojornalismo pró-direitos humanos é a ferramenta prática que encontrei para debater direitos humanos; interpelar e vigiar as autoridades estatais, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do direito (inter)nacional dos direitos humanos e na implementação das políticas públicas e trazer reflexão contextualizada sobre Moçambique. Começo este ano, 2014, a debater direitos humanos, a partir de uma perspectiva dos africanos bantu. A isso chamo de direitos bantu-cosmopolitas...
Sem comentários:
Enviar um comentário