O processo contra Fernando NBanze e
Castel-Branco e a sua absolvição revelou mais uma vez como a nossa sociedade –
particularmente aquela dos urbanos e assimilados de hoje – cria e amplia a fama
de pessoas não por suas melhores produções técnicas e académico-intelectuais
para Moçambique, mas na invenção de uma tal excessiva (ou fraca) presença de
direitos civis e políticos – e seus derivados, dos quais foram julgados.
Aquele texto de Castel-Branco,
reverberado no sensato facebook, e ampliado pelo colega Nbanze não representa, certamente, a produção intelectual de Castel-Branco – uma lupa responsável parece não
enxergar algo brilhante e usável para um Moçambique carente de racionalidade
cidadã naquele escrito, embora em nome de democracia de opinião eu respeite o
mesmo. Digo isso porque o professor Castel-Branco tem uma produção académica e
técnica robusta e, infeliz e simultaneamente, em virtude de um Estado com
quase-não-noção de sê-lo (um Estado em construção processual) e de uma cidadania rancorosa (esta nunca quer estudar a História dos problemas politicos e sociais de Mocambique, porque o culpado já está identificado de antemão), não são os seus textos
carregadas de reflexões e propostas para um Estado e sociedade mais justas que
ampliaram a sua fama, mas a truculência técnica de uma parte da
Justiça moçambicana, incapaz de se rever no espelho da sanidade de um Estado em construção processual - este que não se coaduna com a portugalidade sotacal, nem
com as togas e nem tão pouco com as repetições às obras portuguesas, que pouco
ou nada têm a ver com a sociedade moçambicana real, a não ser para lembrarmos
da reprodução simbólica da portugalidade assimilacionista.
O mesmo devo dizer do meu amigo e
colega Nbanze. Desde que está no jornalismo – creio tê-lo conhecido em 2001 -
contribui com a sua cara inteligência e o seu jeito paciente e tranquilo, de
fazer o jornalismo, profissão esta que pela sua natureza acaba criando um tipo
de arrogância em nós.
O que deveria ter ampliado a fama
tanto de Nbanze quanto de Castelo-Branco não deveria ter sido o processo,
julgamento e absolvição (e, agora, fala-se do recurso), mas as suas brilhantes ideias para Moçambique. Duvido que
os actores do Estado e da dita e profética sociedade civil - e muito menos os
que estavam de fora do tribunal - procuram
ideias brilhantes e prioridades para Moçambique. Uma coisa é o que a dita e
profética sociedade civil “diz sonhar” para Moçambique e outra são os seus “procedimentos
institucionais” que em nada cooperam para a sanidade democrática e
impessoalidade das relações políticas no Estado. Uma sociedade como a nossa, há
muito recheada de relações sociais e políticas institucionalizadas parentais, à
procura de satisfazer o estômago das emergências diárias, preocupada, prioritariamente, em juntar
dinheiro para o lobolo, xitike, padrinhos e fatinhos para festas, em cujos
empregos são concedidas à moda nepotista, na dita sociedade civil, cheia de
santidade e que quer ver essa santidade nos governantes, pode não ser digna de
ideias brilhantes. A preocupação com o estômago emergencial é das coisas mais básicas
e corretas para a nossa sobrevivência. O que não é correcto é o fingimento
estrutural de que o estômago emergencial não faz, primeiro, parte das nossas
relações políticas e sociais institucionalizadas. Não é casual que os
defensores mais famosos da democracia e seus derivados – ou de onde a
democracia é derivada – não sejam capazes de escrever um documento-mãe para a reflexão democrática em Moçambique, mas
sejam especialistas em escrever projetos em nome de democracia para doadores. O
que quer o doador? Relações de Poder? Qual é a relação doador-donatário? Qual é
a relação entre o estômago emergencial e a situação política e
jurídico-constitucional do nosso Estado? Que Estado somos? Que sociedade somos?
A minha pista é: Estado e sociedade civil cujas relações sociais e políticas
cooperam no multiforme estômago das emergências diárias. Talvez, por isso,
posso dizer por último que Nbanze e Castel-Branco tenham sorte por as suas melhores
produções técnicas e académico-intelectuais
não terem sido usadas publicamente para e em Moçambique. O uso das melhores
produções técnicas e académico-intelectuais
é muito mais caro que um fatinho para lobolo e bengala para os sogros ou
aqueles bens para xigiyana (espécie
de dote oferecida à noiva pela sua família)ou, ainda, como queiram, casas
reis-do-chão e primeiro andar. Parece
que não temos instituições - “dinheiro social” e “tempo ético” - para uso das melhores
produções técnicas e académico-intelectuais.
Talvez o recurso do Ministério Público àquele caso esteja a cooperar com o que
disse. Não insistimos que sejam ideias brilhantes e produções técnicas e
académicas que afamem as pessoas, mas no conjunto de intrigas sociais e
políticas, vestidas de uma boa gravata vermelha – pensem também nos seus
derivados comportamentais - e tudo que ela representa, na sociedade das boladas e dos styles. Enquanto essas mazelas
atravessam a nossa sociedade, a cidadania rancorosa está a robustecer-se, em nome da defesa dos direitos humanos.