quinta-feira, 30 de julho de 2009

Qual é o grau de reconhecimento dos direitos humanos em Moçambique?

Tal como aconteceu em vários países africanos, latino-americanos e europeus do leste, o Estado moçambicano reconheceu integralmente os direitos humanos, nos últimos 19 anos. Esse reconhecimento encontra-se instituído na Constituição da República de Moçambique, que inaugurou o sonhado Estado de Direito Democrático. Desta Constituição advieram novos e inúmeros dispositivos jurídicos, instituições democráticas e sociais, em virtude da nova fase nacional, cujos fundamentos éticos são - ou, no mínimo, deveriam ser - direitos humanos. Vale sublinhar que antes de ’90, Moçambique

terça-feira, 28 de julho de 2009

Qual é o Papel da Comunicação Social no Combate ao HIV/SIDA?*


O tema em apreço para este dia de Dezembro de 2007, cujo proponente é o Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA - Núcleo da Cidade de Maputo, é complexo. Em Moçambique, as discussões sobre o mesmo não estão ampliados e sistemáticos. Vejo, isso sim, debates fragmentados e, nalgumas vezes, preconceituosos.

sábado, 11 de julho de 2009

A criança e o direito humano à cultura intelectual

Josué Bila*

Foto: bonsnegocios.com.pt

Um dos fermentos de um Estado de Direito Democrático e de uma sociedade livre é o direito humano à cultura intelectual, materializado aos cidadãos, independentemente da idade, género, cor de pele, orientação sexual, posição social, crença, filiação política ou outros atributos. Ao referir-se a idade, quer enfatizar-se que esse direito assiste extensivamente às crianças, porque detentoras, por excelência, de dignidade humana. Por isso, hoje, escalo este grupo infanto-social, para reflectir.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Direito de fixar residência: um panfleto constitucional ilusório?

Muitos leitores deste artigo terão lido, nalgum momento, a Constituição da República de Moçambique, ainda que diagonalmente. E, certamente, terão se interessado pelo ponto 1º do artigo 55º que institui o direito de os cidadãos fixarem residência em qualquer parte do território nacional.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Ericino de Salema: Jornalismo ‘pão e manteiga’ descapitaliza direitos humanos

O jornalista moçambicano Ericino de Salema é o sétimo entrevistado no bantulândia, desde Abril último. A ciência teológica diz que sete é o algarismo da perfeição. Será que o entrevistado traz um debate perfeito sobre direitos humanos no jornalismo? Não quero teologizar e nem mitologizar algo, aqui. Apenas deixar Salema filosofar do que teologizar. Nas infralinhas, o entrevistado lembra que os jornalistas, na sua luta existencial pelas necessidades básicas de tipo ‘pão e manteiga’, acabam não deixando sobrar tempo de ler a Constituição da República de Moçambique e a Lei de Imprensa, para multifacetar abordagens, a exemplo de direitos humanos. Porém, sublinha: “Os jornalistas até desenvolvem o seu trabalho de forma razoável, geralmente falando. Do meu canto, noto que a qualidade do jornalismo está a melhorar; os profissionais de comunicação social procuram se formar... em jornalismo, sociologia, antropologia, economia, direito e até engenharia e farmácias”. Josué Bila é condutor da entrevista.

Bantulândia - Qual tem sido o papel dos jornalistas moçambicanos na defesa de direitos humanos?
Salema - Tem sido muito modesto, talvez por o tema direitos humanos não ser assim tão simples como às vezes erradamente se pensa. Em rigor, os jornalistas têm reportado acontecimentos sobre direitos humanos, não se assumindo, nisso, como activistas de direitos humanos; para sê-lo, não basta ser-se conhecedor dos critérios de noticiabilidade; conhecer a Constituição da República é, nisso, de capital importância. Mas isso ainda é um devir. É importante que o jornalista saiba que direitos humanos constituem um campo muito amplo da vida humana, somente possível em sociedade. É importante denunciar que o polícia A ou B atingiu mortalmente um cidadão indefeso, somente por este não lhe ter exibido o seu bilhete de identidade; é essencial, creio eu, questionar se um polícia que não tenha perfil para tal não será um atentado aos direitos humanos; se não será um atentado à dignidade humana o facto de os agentes da PRM andarem pelas ruas com armas de grande calibre; se o Estado é flexível na assumpção da responsabilidade pelos danos causados pelos seus agentes, sem, obviamente, prejuízo de regresso, conforme estabelece a Constituição da República; discutir direitos humanos é, pois, discutir direitos e/ou liberdades básicas de todos os seres humanos.
Bantulândia -Em Moçambique, é comum que os jornais cubram o baleamento mortal de um cidadão pela Polícia numa perspectiva de direitos humanos e dificilmente reportam uma simples falta de pão e manteiga num foco (de violação) de direitos humanos. Por que os jornalistas agem dessa forma?
Salema - A vida é, e sempre o será, o mais precioso ‘bem’ que se pode ter e de que se pode usufruir. Retirar a vida a outrem é, realmente, muito mais que grave. É comum, como bem dizes, os jornalistas se cingirem mais no baleamento mortal de um cidadão por um polícia, que no pão que existe porque disponível, mas que é inacessível à maioria. O meu amigo Edson da Luz, popularmente conhecido por Azagaia, diz numa das suas músicas que não sabe quem matou mais, ‘se a guerra ou a fome’; os jornalistas, não vivendo eles numa ilha social, acabam se guiando pela teoria de reconstrução social da realidade nos seus textos; isso significa que, nas suas estórias, está muitas vezes reflectido o seu ego, nem que eles não se apercebam disso; que eu saiba, nem sempre o próprio jornalista tem pão; se o tem, a manteiga deve ‘resistir sair’ das prateleiras dos supermercados.

Bantulândia - Porque é difícil encontrar, nos textos jornalísticos, referência aos instrumentos internacionais de direitos humanos?
Salema - Acho que a sua pergunta está a tentar levar-me para uma resposta que já tens construída no seu íntimo. Brincadeira! Deixa-me colocar aqui uma questão: não estará a exigir muita sofisticação ao jornalista moçambicano? Creio que, em lendo a Constituição da República e a Lei de Imprensa, é fácil o jornalista ver-me ‘mais aberto’ a outras abordagens. Mas não é o que sucede; esses dois instrumentos são muito acessíveis aos jornalistas, mas a luta pelo ‘pão e manteiga’ nem sempre faz sobrar tempo. Recentemente, fiquei a saber que uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça chegou à triste e penosa conclusão de que 90% dos juízes não tem Constituição da República nos seus gabinetes…os jornalistas até desenvolvem o seu trabalho de forma razoável, geralmente falando; para se ser especialista em direitos humanos, é crucial que se tenha alguma formação específica. Mas se nos esforçássemos, nós os jornalistas, em ler documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com isso, ganhava, por exemplo, o debate sobre os direitos humanos…

Bantulândia - As questões ambientais, a exemplo do desmatamento de florestas, poluição de rios ou atmosférica, não figuram como direitos humanos. Que explicação?
Salema - Sabe, para que algumas coisas sejam ‘notícia’ ou ‘assunto’ é necessário que algumas questões básicas já não constituam problema. Ainda não somos assim tão sofisticados como país, daí que ainda estamos mais preocupados com as questões imediatamente existenciais, tipo quanto milho produzimos para não morrermos de fome; como podemos não nos limitar somente à produção, o que pressupõe uma preocupação pela produtividade; e por ai além. Como diria o outro, há questões que apenas dominam a agenda dos pós-materialistas.
Bantulândia - Por que há dificuldades de encontrarmos jornalistas decididos com os direitos humanos?
Salema - O problema da especialização atravessa vários ‘sectores’ do jornalismo, e não somente o dos direitos humanos. Temos jornalistas que escrevem sobre tudo e em diferentes formados. Às sete um jornalista pode estar a cobrir ocorrências policiais, para às nove estar na Presidência, a reportar a acreditação de um embaixador; três horas depois, o mesmo já está a cobrir uma conferência de imprensa de um partido qualquer, em que os temas são revolução verde, empreendedorismo, lei eleitoral, combate à pobreza, educação e desenvolvimento, e por ai além. As coisas são assim, quer gostemos ou não. Agora, a questão é saber como mudar o status quo!
Bantulândia - Que propostas avança para que os jornalistas possam contribuir para que os moçambicanos possam conhecer os seus direitos?
Salema - Ultimamente, como bem sabe, sou mais activista da liberdade de imprensa, de expressão e do direito à informação, que jornalista nos moldes tradicionais. Do meu canto, noto que a qualidade do jornalismo está a melhorar; os profissionais da comunicação social procuram se formar cada vez mais, o que é positivo; muitos se formam em jornalismo, mas temos os que fazem sociologia, antropologia, economia, direito e até engenharia e farmácias. Lendo atentamente os jornais, ouvindo a rádio e vendo a TV, nota-se facilmente que o jornalista é, hoje, cada vez mais voz dos que não têm voz. Creio que, pouco e pouco, a situação vai melhorando.

Bantulândia - Qual é o comportamento editorial quanto aos direitos humanos?
Salema - Confesso que ainda não me ative a essa questão. Mas creio que os editores não são aversos aos direitos humanos. Se o fossem, talvez estivessem noutras.

Bantulândia - Quem tem tomado a iniciativa de divulgar e discutir temas sobre direitos humanos reportados pelos jornais (sociedade civil, governo ou jornalistas)?
Salema - A sociedade civil e os jornalistas – ou os media, em termos mais precisos – acabam se destacando mais, talvez por o Estado ser o sujeito activo dos crimes de direitos humanos. À sua maneira, todos vão fazendo a sua parte. O ideal, creio eu, é que o tema direitos humanos seja capitalizado, pois sem eles jamais teríamos dignidade, liberdade, igualdade, fraternidade, aqueles valores todos cimentados pela Revolução Francesa de 1789.

Bantulândia - Qual tem sido o incipiente contributo do jornalismo investigativo em relação às políticas públicas?
Salema - Não sei se estou certo, mas esta pergunta me parece arregimentadora. Seja como for, a falta de acompanhamento é o maior problema na cobertura da implementação de políticas públicas no país; foi noticiado, há anos, que um ministro da Educação desviou dinheiro para financiar os estudos dos seus filhos no estrangeiro, mas ninguém conhece o desfecho desse caso; numa altura em que o discurso do poder político é dominado pela ‘revolução verde’, nada se reporta sobre o PROAGRI; há três/quatro anos, falou-se de corrupção na reabilitação do edifício da PIC na cidade de Maputo, mas o assunto parece ter ‘morrido de morte matada’; e tanta outra coisa.
Bantulândia - A luta pelos direitos humanos está mais vinculada à sociedade civil. Em que momento o governo vai assumir a postura de também lutar por eles?
Salema - Creio que o governo responderia melhor a esta questão. Olha que, nos dias 29 e 30 de Junho passado, realizou-se aqui em Maputo uma conferência internacional sobre o Estatuto de Roma, que criou, em 2002, o Tribunal Penal Internacional. O nosso governo subscreveu o documento em 2000, mas, passados nove anos, ainda não o ratificou. Intervindo nessa conferência, a ministra da Justiça, Benvinda Levy, somente falou de “esforços” que estão a ser desenvolvidos para tal, não tendo dado prazos. Isto mostra que eu sou muito incompetente para dizer quando “o governo vai assumir a postura de também lutar pelos direitos humanos”…
Ericino de Salema é jornalista-editor mocambicano. Actualmente presta o seu saber no MISA-Mocambique.

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Estimados leitores do bantulândia,
Se lhes convier, mandem comentários pelo blog e não pelo meu e-mail, como tem sido hábito de muitos. Penso, sem medo de errar, que o fluxo de debate pode ser maior através do blog, porque público. O e-mail, como bem sabem, é restrito.
Obrigado pela compreensão.
Josué Bila
São Paulo, 6 de Julho de 2009
NB. O conteúdo da supra-entrevista é similar à infra.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Arão Valoi: “Jornalismo moçambicano não está orientado para direitos humanos”

Mais um intelectual moçambicano é entrevistado no bantulândia. Trata-se do jovem jornalista Arão Valoi*. Em apenas oito anos de carreira, ganhou três prémios jornalísticos. Um dos mais recentes é o Prémio de Melhor Reportagem sobre Direitos Humanos promovido pelo Instituto Marques do Valle Flor, em parceria com a União Europeia e o Sindicato Nacional de Jornalistas. Actualmente, presta o seu saber na Organização Internacional de Migração. Nesta entrevista, Valoi fala sobre o (não) contributo dos média moçambicanos na defesa dos direitos humanos. Num dos pontos, ele lembra que há jornalistas que não sabem da existência de instrumentos internacionais de direitos humanos. Josué Bila conduziu a entrevista.


Bantulândia -
Qual tem sido o papel dos jornalistas moçambicanos na defesa de direitos humanos?

Valoi - Olha, em geral, os jornalistas moçambicanos têm contribuido muito pouco para a defesa dos direitos humanos, embora haja algum esforço individual em fazer denúncias sobre a sua violação. Essa fraca contribuição acontece devido a vários factores conjugados, sendo de destacar a falta de uma cobertura mais qualificada sobre temas de direitos humanos. A cobertura mediática qualificada encerra em si muitos aspectos. Refere-se, por exemplo, à formação ou capacitação em direitos humanos e depois a especialização sobre esse tema, o que ainda não acontece em Moçambique. Na verdade, a falta dessa qualificação acaba reduzindo de forma substancial o papel que os jornalistas, como agentes de mudança, deveriam ter na promoção e defesa dos direitos humanos, na sua visão universal e multidisciplinar. Mas também podemos ver essa questão na perspectiva da “importância” que os Media em Moçambique dão a assuntos ligados a direitos humanos. Normalmente, o que interessa aos media é o que, segundo eles, vende e rende e o que dá mais audiência. Nesse fenómeno, que uns o apelidam de sensacionalismo e o jornalista brasileiro José Arbex Jr.(2001) chama de showrnalismo, os factos são transformados em mercadoria, custe o que custar. Isto pode se aliar ao facto de a sociedade moçambicana, em geral, pouco escolarizada, alimentar este tipo de notícias, de tal forma que é o que mais se consome. Note que em Moçambique, uma falsa notícia, na capa de um jornal, sobre a recaptura de Anibalzinho (um dos criminosos mais mediáticos) pode vender mais do que uma verdade. Em oposição, também na capa, uma notícia sobre a falta de água, em Massangena (província de Gaza), não vende. É um pouco disto que, quanto a mim, faz desvirtuar o sentido do jornalismo ético.

Bantulândia - Por que é comum que os jornais cubram o baleamento mortal de um cidadão pela Polícia numa perspectiva de direitos humanos e dificilmente reportam uma simples falta de pão e manteiga num foco (de violação) de direitos humanos. Porquê?

Valoi - Essa limitação da visão global dos direitos humanos resulta dessa falta de formação e especialização. Não gosto muito deste termo “especialização” para a realidade jornalística moçambicana, e já mostrei as razões pelas quais não me simpatizo, em debate público, mas a verdade é que a sua falta acaba tendo implicações em certas áreas do saber, nomeadamente em direitos humanos, em economia e negócios e outros domínios. Note que o tratamento que se dá à violência, por exemplo, reduz-se pura e simplesmente a crimes, atentados e relatórios de homicídios normalmente facultados pela PRM. Não existe uma abordagem estrutural e globalizante dos direitos humanos e é natural que a falta de acesso à água potável, de pão ou de sal seja visto nessa perspectiva. Note que não faltam notícias sobre fome nos media, mas a abordagem feita não está nunca orientada para a questão de direitos, mas simplesmente de factos e nunca se fala da responsabilização a quem de direito pela violação desses direitos. O jornalismo moçambicano não está orientado para direitos humanos. O que falta no jornalismo moçambicano, na verdade, é discutir políticas públicas e tentar influenciar que a questão de direitos humanos seja sempre incorporada na agenda governamental. Para mim, há, nos media moçambicanos, uma ausência de reflexão mais consistente sobre o processo de formulação e implementação das políticas e a consciência de que os jornalistas podem fazer algo para alterar certo establishment e, os direitos humanos, estando hoje em primeiro plano na agenda internacional, deviam ser objecto de análise, reflexão e acompanhamento sistemático por parte da imprensa.

Bantulândia -
Por que é difícil encontrar, nos textos jornalísticos, referência dos instrumentos (inter)nacionais de direitos humanos?

Valoi - É uma situação caricata, mas acho que alguns, repito, alguns dos jornalistas nem se quer tem o conhecimento da existência desses instrumentos ou se, pelo menos sabem da sua existência, poucas vezes os revisitaram. Mas também há jornalistas em Moçambique que se esforçam em fazer algo diferente, de tal forma que não é correcto estar sempre a desdenhar deles quando tentam fazer coisas boas. Até porque há em Moçambique, cada vez maior número de jornalistas que se estão a formar nas diferentes universidades do País, o que já é um sinal positivo. A leitura de livros e a consulta de certos instrumentos legais nacionais e internacionais é muito bom do ponto de vista de diversificação das fontes de informação e do enriquecimento do próprio trabalho jornalístico. Mas infelizmente, não existe, em geral, esse hábito por parte dos jornalistas moçambicanos e limitam-se ao “diz-se diz-se”, característico da formulação sensacionalista do jornalismo. A referência a instrumentos (inter) nacionais de direitos humanos requer também uma nova postura epistemiológica por parte dos jornalistas moçambicanos, requer uma reconfiguração da linguagem que, de forma específica, organiza as questões internacionais de acordo com os processos de globalização. Eu tenho dito que a própria forma de fazer jornalismo em Moçambique continua conservadora, agarrada ao que as tradicionais teorias de jornalismo ensinam, limitando-se, por assim dizer, ao que a fonte disse e nada mais. É uma formulação de “responsabilização” que tenta retirar o papel do jornalista como actor importante na produção da informação ou como um sujeito pensante e activo. Se a fonte não citou nenhum dispositivo legal, ao jornalista não resta mais nada do que reproduzir o que a fonte disse, sem nenhum trabalho visando o enriquecimento das informações colhidas. Também ao organizar as perguntas para uma entrevista programada, o jornalista não “vasculha” nenhum livro ou lei, não lê e vai ter com o entrevistado para “perguntar” e assim poder aprender e não para “entrevistar” e confrontar com ele certos conhecimentos. Tenho dito que em Moçambique, são poucos os jornalistas que fazem entrevistas, muitos fazem perguntas. A entrevista é, normalmente, uma confrontação entre o entrevistador e o entrevistado e isso implica que, no caso vertente de direitos humanos, o jornalista tenha um mínimo conhecimento da matéria que vai abordar. Se for para perguntar, terá de se contentar com o consumo da ordem estabelecida e transformar-se-à em caixa de ressonância.

Bantulândia -
As questões ambientais, a exemplo do desmantamento de florestas e a poluição de rios ou atmosférica, não figuram, de um modo geral, como direitos humanos. Que tem a dizer sobre isso?

Valoi - Ao notar esta falta de abordagens sobre questões ambientais no jornalismo, o MISA Moçambique, juntamente com os seus parceiros, tem promovido prémios anuais de jornalismo, e uma das categorias é sobre o meio ambiente. Nos últimos dias e, motivados por esse prémio ou incentivo, alguns jornalistas tem escrito algo sobre questões ambientais, mas mais uma vez, não numa perspectiva de direitos humanos. Também sobre desmatação e poluição tem havido artigos jornalísticos interessantes, mas em geral carecem dessa orientação. Eles são feitos numa perspectiva de denúncia, mas não em termos do impacto que isso tem para as comunidades ou populações locais como sujeitos com certos direitos, como o direito à vida, por exemplo, fixado no artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e nas constituições nacionais. Ora, uma interpretação imediata a esse postulado dá a entender que quando se diz “vida” incluí-se o meio ambiente equilibrado, pois, esta é uma das condições essenciais à existência da vida em toda a sua plenitude e formas.

Bantulândia -
Por que há dificuldades de encontrarmos jornalistas decididos e empenhados com os direitos humanos?

Valoi - Esta é uma pergunta muito difícil porque encerra motivações de ordem pessoal, mais também institucionais. Na minha modesta opinião, é preciso que haja vontade por parte do jornalista em dedicar, não diria exclusivamente porque em Moçambique isso é impossível no cenário actual, parte considerável do seu tempo a pesquisas sobre direitos humanos. Isso já seria um princípio para a especialização de que tanto se fala. Mas é preciso que os media tenham coragem de assumir esta pessoa que nem sempre irá produzir notícias. Uma das questões que tenho defendido é que a falta de especialização e, consequentemente, de um jornalismo investigativo em Moçambique, seja sobre direitos humanos ou outras áreas, deriva também da falta de disponibilidade de tempo para os jornalistas fazerem a investigação. Os chefes de redacção ainda não estão habituados em ver um repórter ficar duas semanas sem publicar um artigo, por mais que esteja envolvido numa investigação. Acusam-no de improdutividade e, cedo, ele terá de abortar a investigação e serví-la crua aos leitores por pressões institucionais e por medo de perder o seu emprego. Isso é comum nos media em Moçambique. Por isso, a mudança não deverá ser só por parte dos jornalistas, em termos individuais (formação, leitura e mais pesquisa) mas também deverá operar-se mudanças substanciais na filosofia do trabalho a nível institucional.

Bantulândia -
Que propostas os jornalistas poderiam contribuir para que os moçambicanos possam conhecer os seus direitos?

Valoi - Apesar de o cenário ser algo negativo, acho que tem havido algum despontar por parte de alguns media em elevar cada vez mais a consciência dos moçambicanos no tocante aos seus direitos. Tenho tido o prazer de ver várias notícias nos nossos órgãos de comunicação social que reportam situações que contribuem para a elevação da consciência dos moçambicanos e isso é muito importante porque, em Moçambique, as pessoas acreditam muito nos media. Estes são instrumentos importantes para a mudança de comportamento e acho que tem conseguido. A sugestão que daria era que cada um dos órgãos tivesse um espaço um tempo de antena dedicado exclusivamente a direitos humanos e que certos jornalistas escolhidos internamente fossem orientados para esta área. Era bom se isto acontecesse. Mas também pode partir da iniciativa do próprio jornalista, apresentando uma proposta ao seu superior hierárquico, com argumentos sólidos e convicentes.

Bantulândia -
Quem tem tomado a inicitiva de divulgar e discutir temas sobre direitos humanos reportados pelos jornais (sociedade civil, governo ou jornalistas)?

Valoi - Acho que os jornalistas e a sociedade civil, em termos de organizações não governamentais e representações religiosas. O Governo tem intervido muito pouco, excepto em casos em que por iniciativa dos jornalistas, aparece a dar esclarecimento de certas situações. Pessoalmente, acho que a dimensão do debate sobre direitos humanos em Moçambique é, por si, um incómodo ao Governo, uma vez ser ele próprio possuidor de uma máquina de repressão e violação sistemática de direitos humanos, ao mesmo tempo que seus executivos pouco conseguem dar seguimento à satisfação plena dos direitos económicos, sociais, ambientais e políticos aos cidadãos, em geral. As políticas governamentais falham em muitos aspectos, deixando as populações sem nenhum garante ou preservação dos seus direitos.

*Arão Valoi é jornalista moçambicano desde 2001. Formou-se na Escola de Jornalismo, em Maputo, de 1999 a 2002, tendo logo de seguida ingressado no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) onde fez o curso de licenciatura em Administração Pública, tendo concluído em 2006. Já trabalhou para vários órgãos de comunicação social, desde os media audio-visuais até à imprensa escrita. Em 2007, quando coordenava o suplemento económico do semanário Meianoite, sagrou-se vencedor do Prémio de Melhor Jornalista Africano da CNN/Multichoice, categoria da lingua portuguesa. Nos finais de 2008 ganhou novamente mais dois prémios, nomeadamente o Prémio Ian Christie para Melhor Reportagem Económica, promovido pela Vodacom em parceria com o SNJ e o Prémio de Melhor Reportagem sobre Direitos Humanos promovido pelo Instituto Marques do Valle Flor em parceria com a União Europeia e o SNJ. Actualmente é jornalista freelancer, estando também a trabalhar para a Organização Internacional para as Migrações (OIM), em Maputo. É um dos membros-fundadores da Associação Moçambicana de Jornalistas Pró-direitos Humanos e Cidadania.